02 fevereiro 2014

capítulo 37

           
         
            - Estou surpreso com você. _ pronunciou com um tom de voz ameno.
            - Também estou surpresa comigo.
            - Estou um pouco preocupado.
            - Com o que, exatamente? _ eu sinceramente esperava que ele não fosse tocar no assunto tão cedo, mas achei melhor que fosse assim, esperei calmamente que me dissesse o que eu já sabia e esperava há algum tempo.
         - Não sei se é um bom momento pra falar sobre esse assunto, só que eu não quero que você se magoe, eu me preocupo com seus sentimentos e com a nossa amizade, não quero que acabe... _ ele me olhou e eu vi sinceridade refletida em seus olhos, mas era difícil entender porque exatamente.
           - Não se preocupe, eu entendo o que você quer dizer. Também não quero deixar de ser sua amiga._ percebi então que nossos pensamentos se cruzavam de algum modo e que apesar de toda a sinceridade das nossas palavras era impossível saber o que aconteceria, mas era certo que algo havia de mudar.
            - Você é uma garota incrível, saiba disso.
        - Eu sempre soube. _ falei, numa tentativa de mudar o rumo da conversa. Não queria que ele continuasse me tratando com aquele tom de quem pede desculpas por um crime que não pode deixar de cometer.
          - Convencida! _ ele disse com um sorriso no canto da boca, tão característico daquela expressão irônica que vez por outra eu notava surgir em seu rosto bonito.
            - Ótimo você dizer isso, porque em matéria de convencimento estou aprendendo com o melhor.
            - Sendo assim vou entender isso como um elogio.

Vincent sabia o que estava fazendo e eu fingia não perceber como tudo aquilo fora previamente planejado para parecer despretensioso. Um cenário naturalmente poético, conversas amenas, a sensação de liberdade. Era como uma dança, ele me conduzia suavemente, queria me deixar confortável e à vontade, queria me mostrar que não era preciso sentir qualquer tipo de dúvida ou medo, queria mostrar-se leve e desinteressado; enquanto girava pelo salão me conferindo pequenas vertigens a cada giro.  

Ele havia planejado tudo até os mínimos detalhes para que eu pudesse acreditar estar escolhendo, quando na verdade era ele quem havia traçado todo o roteiro e feito todas as escolhas. Mas tal certeza não me provocou nenhum espanto, muito pelo contrário, eu estava adorando tudo aquilo. No fundo eu sabia que tudo que ele queria era; me ver entregue e sem escolhas, mas isso não era mau, era interessante, além do mais, depois de ter ido até ele o que mais eu poderia ser, senão entregue? Não havia mesmo mais nenhuma escolha a ser feita e ambos sabíamos disso, apenas dissimulávamos a espera do momento certo para revelar tudo.

O clima estava suave, mas levemente tenso. Eu via a ansiedade dissimulada nos gestos dele, na forma como gesticulava e apertava as pontas dos dedos, como repousava os olhos sobre mim e os retirava quase que de imediato – como quem tem medo de ser pego em flagrante em meio a um pensamento aparentemente indevido – nos sorrisos contidos, nas conversas sobre coisas um pouco banais de palavras aleatórias, que tinham o único propósito de esconder o que realmente carecia ser dito. Mas era inútil, eu conseguia saber o que ele pensava cada vez que olhava para mim, porque ambos carregávamos uma urgência que queimava por dentro e esse fogo se revelava no brilho dos nossos olhos. Eu lia as entrelinhas e gostava do que elas me mostravam, gostava cada vez mais da expectativa que crescia dentro de nós, de uma forma que mais cedo ou mais tarde transbordaria e nos deixaria definitivamente sem controle, faltava pouco, nós sabíamos.


Entramos no carro, e eu percebi que agora tinha ainda mais pressa, ligou o motor, segurou o volante e senti que aos poucos íamos mais rápido, nossas falas estavam mais curtas e nossos olhares mais intensos, nossa respiração desandava e meu coração batia indeciso, minhas mãos voltaram a ficar frias e eu podia ver a pressão com que ele segurava o volante. Não quis saber pra onde estávamos indo, já nem conseguia distinguir as luzes dos postes e as cores dos semáforos, o mundo inteiro fora daquele carro parecia um borrão colorido e desfocado. 

CONTINUA...


12 comentários:

  1. sem provas, sem palavras, muita ansiedade...

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  2. A cada capítulo é o meu coração que bate acelerado de ansiedade... Os rumos afunilando. Torço por eles. :)

    Beijinho Mayra!

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    1. Também torço por eles, mas eu sou meio suspeita pra falar isso >.< haha

      Forte abraço, Alexandre.

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  3. Tantas sensações, tantas surpresas... quando se tá perto do fim, a curiosidade triplica, rs.
    E que seja sem provas mesmo, tudo o que esse casal for fazer, mesmo que seja apenas para matar essa vontade que atiça nos corpos deles.

    bjão, escritora! :*

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    1. Dá uma ansiedade mesmo, tenho me dedicado mais aos capítulos finais pra saciar essa curiosidade e tentar de algum modo agradar aos leitores que sempre acompanharam essa história com tanto carinho.

      Beijos, Sam.

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  4. Delicia de conto, que chegar como um delicioso suculento suco a escorrer do lábios. Voltando propriamente ao capitulo, me interroga ontem o porque de certas reações, sera um crime declara paixão, amor a alguém, onde tá o insulto. Antes a reação devera ser no minimo de lisonjeio. Soa um tanto hipócrita. Não será, implicitamente, um controle social, um engenhoso mecanismo de inibição a "perigosa" espontaneidade. Enquanto isso a vida vai passando, em meio as guerra urbanas, ao ódio declarado, ao desamor.

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    1. Fico feliz que tenhas gostado, Fábio.

      Obrigada pela visita e pelo comentário.
      Bjs

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  5. Quanto tempo sem vir aqui e pareço que hoje mesmo estive aqui.
    nem consigo pensar direito, eu quero saber o que vem a seguir rs
    beijos

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Obrigada.