20 julho 2014

Capítulo 44




            “– Lembro de ter visto em algum lugar que você tem namorada.
             – Sim, eu tenho.”

            O fragmento dessa conversa pairou em minha mente, assustadoramente legível. Lembro de não ter me incomodado com isso a princípio, estava numa fase em que nada me importava, estava entediada e com raiva, mergulhada num relacionamento desgastante e tudo que eu queria era me divertir. Vincent apareceu e as coisas entre nós foram acontecendo e eu deixei que fluíssem. Depois que o meu relacionamento acabou eu entrei ainda mais nessa história toda, Vincent não comentava muito sobre sua namorada, apesar de termos conversado bastante sobre relacionamentos, ele não me falou muito da sua vida pessoal, nunca insisti muito no assunto, porque como eu disse, não estava nem ai pra isso. No decorrer dos acontecimentos eu simplesmente esqueci-me dela, sua existência tornou-se algo irrelevante, ela sempre pareceu alguém bastante distante de tudo aquilo, no começo pensava nela como um fantasma, depois simplesmente passei a ignorar completamente a sua existência, não era problema meu. É egoísta, eu sei, é hipócrita, claro que é, mas ainda assim não era problema meu.  

            Vincent e eu a princípio éramos somente amigos, mas então algo aconteceu e surgiu algo mais que a amizade. Atração, desejo, paixão, eu nunca soube dizer, nunca quis parar para pensar no que realmente era, Nunca quis rotular, apenas deixei as coisas acontecerem. Éramos somente dois adultos querendo um pouco de diversão, fugir da rotina, também não sei o que era, mas era e que mal poderia haver nisso? Nenhum, exceto pelo fato de um dos dois se apaixonar, mas eu ignorei isso, afinal, pensei que nunca chegaria ao ponto de me apaixonar por um cara como ele. Sempre senti que havia algo absurdamente errado e diferente entre nós... Éramos como imãs com polaridades iguais, talvez sob certo esforço até ficaríamos juntos, mas logo teríamos que nos afastar por motivos naturalmente maiores que nossas próprias vontades. O sexo poderia nos unir, a amizade, talvez, mas nunca mais que isso, nada que pudesse durar mais que algumas horas. Pensei que estivesse imune, mas olhe só pra mim? É impossível controlar nossos sentimentos, é uma lição básica, mas eu simplesmente não dei à mínima. 

            Meus olhos continuaram fixos à fotografia enquanto meus pensamentos zuniam dentro da cabeça.  Sentia uma raiva incontrolada correr em minhas veias, meu coração disparou novamente, bateu violentamente dentro do peito. A garota da foto sorria pra mim, com seus dentes perfeitos, com sua perfeição insuportável. Senti meu estomago embrulhar.

            - Que merda é essa? – sussurrei pra mim mesma, e minha voz era irreconhecível. – Eu fiz tudo errado.

Na fotografia Vincent também sorria, mas havia algo de diferente. Notei seu olhar, que para mim sempre fora obscuro e evasivo, mas que na foto mostrava-se claro e até óbvio demais. Seu sorriso estampado naquele pedaço de papel era completamente novo pra mim. Era mais sincero e mais espontâneo e tudo porque ela estava ao lado dele, com os braços em torno do seu pescoço, fitando-o com olhos de um azul vivo, emoldurados por cílios compridos e espessos, contornados suavemente por sobrancelhas bem feitas e naturais. Os lábios delicados curvando-se num sorriso cor de rosa, deixando a mostra seus dentes brancos. Os cabelos finos e dourados recaindo por cima dos ombros em ondas tranquilas, como ouro liquido... Não havia um só traço dissonante, os olhos, a pele, o sorriso e a alegria estampada em seu semblante. Vincent segurava-a pela cintura, suave, mas ao mesmo tempo firme e acolhedor também. Apesar de ser estúpido, apesar de tudo, apesar de tantos atos inexplicáveis, eu entendi que era ela, que nunca seria outra. O que eu estava fazendo ali naquele apartamento afinal? Por que Vincent estava fazendo isso? Por que eu? Eu tinha os meus motivos, mas e ele? Por quê? Senti-me tonta.

            Coloquei a foto dentro do livro, tentei respirar fundo. Fui até a cozinha, precisava beber alguma coisa, não era sensato, mas dane-se! Não era para ser sensata. Senti o ódio arder em mim violentamente. Abri a geladeira e tudo que encontrei foi uma garrafa de vinho cheia pela metade, sequer me dei ao trabalho de procurar um copo, tomei de uma vez, senti o calor reconfortante no peito e desabei, lágrimas pesadas escorreram pelo meu rosto sem que eu tivesse qualquer domínio sobre elas. Foi então que Vinc apareceu na porta e me fitou com olhos de sono, fiquei em silêncio apenas esperando que ele dissesse algo:

             – O que você tem? 
              Você! 

CONTINUA...