Vincent
aproximou-se de mim, não consegui identificar nenhum tipo de expressão em seu
rosto. Ele pegou a garrafa da minha mão, antes de beber, fitou-me.
– Eu? – indagou, mansamente.
– Sim, você. Eu tenho você por todos
os lados. Isso é um pouco assustador.
Vincent
limitou-se a dar um gole e a permanecer em silêncio. Ele queria que eu falasse,
e eu precisava falar, mas na minha mente tudo estava confuso demais. Eu não
sabia de quem sentir raiva, eu já nem sabia mais os motivos... Aqueles olhos
parados em mim, frios como pedras, impenetráveis.
– Eu odeio você! – disse, num tom de
voz mais baixo do que eu pretendia.
– Por quê? – ele permanecia calmo,
como se nada fosse capaz de atingi-lo.
– Eu me sinto como uma criminosa,
você me faz sentir assim, eu não queria me sentir assim. Eu não queria estar
aqui agora, falando esse monte de merda, eu estou entrando em conflito, o que
eu sou de verdade não consegue atingir o ponto da pessoa que eu pensei ser, na
verdade, estou muito longe de ser tudo o que eu realmente queria. Eu menti
pra... – parei de falar, não sabia como conduzir os pensamentos de uma forma
que soassem coerentes.
– Eu sou o culpado?
– Foi você que provocou tudo isso.
– Mas você só fez o que queria
fazer, todo esse tempo.
Ele
estava certo, como sempre.
– É por isso que eu te odeio, odeio
porque você faz o errado parecer certo, odeio porque você me faz sentir culpada
de algo que eu nem sei se realmente tenho culpa. Odeio, porque você sempre está
certo, firme, inatingível e eu nunca sei o que fazer. Você sempre age com a razão, isso é odiável.
– Onde você quer chegar?
– Você ainda não entendeu?
– Não.
– Eu quebrei o nosso contrato.
– Isso é tão ruim assim?
A calma,
a brandura em sua voz me deixaram ainda mais confusa. Eu queria estar furiosa,
mas já não conseguia, eu queria ir embora e esquecer de tudo, mas eu já estava
completamente presa a ele.
– Não é? – perguntei vacilante.
– Não, não é.
– Eu estou perdida.
– Por quê?
– Por que eu não sei como vai ser
quando isso aqui não existir mais. Você me parece a única chance que tenho de
conseguir ser quem eu realmente quero.
– Você está errada. Eu não sou nada
disso, você pode ser quem você quiser. Você só não percebeu que isso é loucura.
Você sabe fingir, pode enganar quem quiser, como quiser, acontece que mais cedo
ou mais tarde, o peso da farsa se torna insustentável. Mentir pra si mesmo é
loucura.
– Você sempre soube que eu estava
mentindo?
– Você não estava mentindo, você só
estava tentando fazer as coisas de um jeito diferente, você só queria saber do
que era capaz, se descobrir.
– Eu fracassei.
– Não, você venceu.
– Como?
– Você sucumbiu, deixou seu disfarce
de lado, foi maior que qualquer coisa. Você acreditou em si mesma, você está
aqui dizendo tudo isso pra mim quando poderia simplesmente ir embora e fingir
que não foi nada demais, mas você está aqui. Muitos esconderiam seus medos, mas
você não. Você está aqui sendo sincera. Você tem coragem, Miriam.
– Seria mais fácil fingir que nada
disso me machuca. Acho que as coisas ficariam melhor assim.
– Eu te machuquei tanto assim? Você
realmente me odeia?
O tempo
todo estive andando com um punhal bem afiado apontado pro meu peito, deveria
saber que a qualquer momento ele me acertaria em cheio. Eu sabia, só fingi não
saber, só não quis acreditar e agora eu estava sangrando e não podia culpar
mais ninguém por isso. Vincent não poderia ser culpado sozinho por tudo que eu
estava sentindo.
– Talvez e não.
– Como assim?
–
Você me fez sentir tanta coisa. Você me fez sair pro mundo, sem sentir vergonha
de dizer o que eu quero, o que eu sinto. Sem sentir vergonha do meu corpo, dos
meus desejos. Você foi meu amigo, mas agora eu já não posso mais continuar com
isso. É pesado demais. Não tenho forças pra ficar longe de você, não quero
ficar me iludindo, alimentando vontades que não podem ser realizadas. Eu não
posso ser sua, porque você não pode ser meu. Isso me machuca. Eu sinto que as
coisas poderiam ter sido mais fáceis, acho que estraguei tudo.
– Eu não sei o que dizer. Eu
realmente sinto muito por isso, por não ter percebido, recuado. Eu nunca quis
magoar você. Pensei que as coisas estivessem claras por todo esse tempo.
– Não posso dizer que você é o
culpado, eu assumo a responsabilidade pelos meus sentimentos. Sei que você
nunca me escondeu a verdade, nunca me deu esse tipo de esperanças, sempre foi
honesto comigo.
Vincent
estava sério, entreabriu os lábios, mas desistiu do que ia dizer, melhor assim,
pensei.
– Eu me apaixonei sozinha, eu
estraguei tudo.
– Não, pelo contrário. Eu te admiro
ainda mais. Não sei qual a imagem que você tem de mim, não sei o que você sente
ou pensa, exatamente, mas espero que saiba que eu sempre me importei com os
seus sentimentos, mas talvez não tenha feito isso da melhor forma.
– Não, acho que eu procurei por
isso. Era algo que eu realmente queria...
– O que vai acontecer agora?
Fui
invadida por um sentimento novo que me tomou acima de toda confusão. Senti-me
segura afinal. Lembrei-me de algumas palavras, ditas há certo tempo, entendi
que eu deveria segui-las, era o que eu realmente queria, era uma promessa que
teria mesmo que cumprir, não havia alternativas. Vincent olhava pra mim a
espera do que eu tinha a dizer, tomou um último gole do vinho. Uma gota
escorregou, atrevida pelo canto de sua boca e eu senti meu corpo arder, aquilo estava
muito além do meu controle.
– É por você que estou aqui, porque meu corpo quer
você, porque tem que ser assim. Estou aqui porque eu te quero, quero você na
minha cama, por uma noite, por um momento ou por quantos vierem. Eu não quero
saber como vão ficar as coisas, eu não quero saber se haverá amanhã, isso não é
importante. Eu só quero você, quero que você me segure e que me beije, quero
que me leve pra cama, quero senti-lo de novo, quero ser sua outra vez. Não
posso desperdiçar nosso tempo.
– Miriam, eu não quero mais magoar você.
– Então, faça o que eu estou pedindo.
– Eu te quero tanto... – Ele sussurrou ao pé do meu
ouvido.
– Eu também te quero. Seja meu, pelo menos por
algumas horas... – meu coração doía de tanto bater.
– Sou seu...
Então eu
o abracei com força, beijei seus olhos, sua face e seu pescoço. Vincent
retribuiu o abraço com ternura e desejo.
CONTINUA...