21 agosto 2014

capítulo 45


 Vincent aproximou-se de mim, não consegui identificar nenhum tipo de expressão em seu rosto. Ele pegou a garrafa da minha mão, antes de beber, fitou-me.

            – Eu? – indagou, mansamente.
            – Sim, você. Eu tenho você por todos os lados. Isso é um pouco assustador.

Vincent limitou-se a dar um gole e a permanecer em silêncio. Ele queria que eu falasse, e eu precisava falar, mas na minha mente tudo estava confuso demais. Eu não sabia de quem sentir raiva, eu já nem sabia mais os motivos... Aqueles olhos parados em mim, frios como pedras, impenetráveis.

            – Eu odeio você! – disse, num tom de voz mais baixo do que eu pretendia.
            – Por quê? – ele permanecia calmo, como se nada fosse capaz de atingi-lo.
            – Eu me sinto como uma criminosa, você me faz sentir assim, eu não queria me sentir assim. Eu não queria estar aqui agora, falando esse monte de merda, eu estou entrando em conflito, o que eu sou de verdade não consegue atingir o ponto da pessoa que eu pensei ser, na verdade, estou muito longe de ser tudo o que eu realmente queria. Eu menti pra... – parei de falar, não sabia como conduzir os pensamentos de uma forma que soassem coerentes.
            – Eu sou o culpado?
            – Foi você que provocou tudo isso.
            – Mas você só fez o que queria fazer, todo esse tempo.

Ele estava certo, como sempre.

            – É por isso que eu te odeio, odeio porque você faz o errado parecer certo, odeio porque você me faz sentir culpada de algo que eu nem sei se realmente tenho culpa. Odeio, porque você sempre está certo, firme, inatingível e eu nunca sei o que fazer. Você sempre age com a razão, isso é odiável. 
            – Onde você quer chegar?
            – Você ainda não entendeu?
            – Não.
            – Eu quebrei o nosso contrato.
            – Isso é tão ruim assim?

A calma, a brandura em sua voz me deixaram ainda mais confusa. Eu queria estar furiosa, mas já não conseguia, eu queria ir embora e esquecer de tudo, mas eu já estava completamente presa a ele.

            – Não é? – perguntei vacilante.
            – Não, não é.
            – Eu estou perdida.
            – Por quê?
           – Por que eu não sei como vai ser quando isso aqui não existir mais. Você me parece a única chance que tenho de conseguir ser quem eu realmente quero.
           – Você está errada. Eu não sou nada disso, você pode ser quem você quiser. Você só não percebeu que isso é loucura. Você sabe fingir, pode enganar quem quiser, como quiser, acontece que mais cedo ou mais tarde, o peso da farsa se torna insustentável. Mentir pra si mesmo é loucura.
            – Você sempre soube que eu estava mentindo?
           – Você não estava mentindo, você só estava tentando fazer as coisas de um jeito diferente, você só queria saber do que era capaz, se descobrir.  
            – Eu fracassei.
            – Não, você venceu.
            – Como?
          – Você sucumbiu, deixou seu disfarce de lado, foi maior que qualquer coisa. Você acreditou em si mesma, você está aqui dizendo tudo isso pra mim quando poderia simplesmente ir embora e fingir que não foi nada demais, mas você está aqui. Muitos esconderiam seus medos, mas você não. Você está aqui sendo sincera. Você tem coragem, Miriam.
            – Seria mais fácil fingir que nada disso me machuca. Acho que as coisas ficariam melhor assim.
            – Eu te machuquei tanto assim? Você realmente me odeia?

O tempo todo estive andando com um punhal bem afiado apontado pro meu peito, deveria saber que a qualquer momento ele me acertaria em cheio. Eu sabia, só fingi não saber, só não quis acreditar e agora eu estava sangrando e não podia culpar mais ninguém por isso. Vincent não poderia ser culpado sozinho por tudo que eu estava sentindo.

            – Talvez e não.
            – Como assim?
           – Você me fez sentir tanta coisa. Você me fez sair pro mundo, sem sentir vergonha de dizer o que eu quero, o que eu sinto. Sem sentir vergonha do meu corpo, dos meus desejos. Você foi meu amigo, mas agora eu já não posso mais continuar com isso. É pesado demais. Não tenho forças pra ficar longe de você, não quero ficar me iludindo, alimentando vontades que não podem ser realizadas. Eu não posso ser sua, porque você não pode ser meu. Isso me machuca. Eu sinto que as coisas poderiam ter sido mais fáceis, acho que estraguei tudo.
          – Eu não sei o que dizer. Eu realmente sinto muito por isso, por não ter percebido, recuado. Eu nunca quis magoar você. Pensei que as coisas estivessem claras por todo esse tempo.
            – Não posso dizer que você é o culpado, eu assumo a responsabilidade pelos meus sentimentos. Sei que você nunca me escondeu a verdade, nunca me deu esse tipo de esperanças, sempre foi honesto comigo.
           
Vincent estava sério, entreabriu os lábios, mas desistiu do que ia dizer, melhor assim, pensei.

            – Eu me apaixonei sozinha, eu estraguei tudo.
            – Não, pelo contrário. Eu te admiro ainda mais. Não sei qual a imagem que você tem de mim, não sei o que você sente ou pensa, exatamente, mas espero que saiba que eu sempre me importei com os seus sentimentos, mas talvez não tenha feito isso da melhor forma.
            – Não, acho que eu procurei por isso. Era algo que eu realmente queria...
            – O que vai acontecer agora?

Fui invadida por um sentimento novo que me tomou acima de toda confusão. Senti-me segura afinal. Lembrei-me de algumas palavras, ditas há certo tempo, entendi que eu deveria segui-las, era o que eu realmente queria, era uma promessa que teria mesmo que cumprir, não havia alternativas. Vincent olhava pra mim a espera do que eu tinha a dizer, tomou um último gole do vinho. Uma gota escorregou, atrevida pelo canto de sua boca e eu senti meu corpo arder, aquilo estava muito além do meu controle.

– É por você que estou aqui, porque meu corpo quer você, porque tem que ser assim. Estou aqui porque eu te quero, quero você na minha cama, por uma noite, por um momento ou por quantos vierem. Eu não quero saber como vão ficar as coisas, eu não quero saber se haverá amanhã, isso não é importante. Eu só quero você, quero que você me segure e que me beije, quero que me leve pra cama, quero senti-lo de novo, quero ser sua outra vez. Não posso desperdiçar nosso tempo.
– Miriam, eu não quero mais magoar você.
– Então, faça o que eu estou pedindo.
– Eu te quero tanto... – Ele sussurrou ao pé do meu ouvido.
– Eu também te quero. Seja meu, pelo menos por algumas horas... – meu coração doía de tanto bater.
– Sou seu...

Então eu o abracei com força, beijei seus olhos, sua face e seu pescoço. Vincent retribuiu o abraço com ternura e desejo. 


CONTINUA...