Abri os olhos em meio à escuridão,
por alguns segundos senti-me completamente deslocada sem saber onde estava e
para que lado ficava a saída, após alguns segundos eu finalmente consegui me
situar naquele quarto estranhamente familiar. Senti como se tudo estivesse em
suspensão, pairando infinitamente no ar, como num sonho, os sons estavam
distantes e abafados, sentei-me na cama e fiquei ali, parada no escuro enquanto
meu mundo inteiro tentava encontrar um eixo para poder recomeçar a girar. Imóvel,
com os olhos fixos na escuridão deixei que os sentimentos me invadissem, e fui
embora na enxurrada que me arremessava para mais perto do que eu ainda não
conseguia entender. Só conseguia pensar que depois de ter me perdido era
preciso me encontrar, mas como?
Vincent dormia tranquilamente ao meu
lado, podia ouvir o som brando da sua respiração, sentir o calor do seu corpo e
o seu cheiro almiscarado, único, delicioso. Aproximei meu rosto do dele, beijei
sutilmente sua face e deixei que meus dedos afagassem de mansinho os seus
cabelos e acompanhassem o contorno do seu corpo. Velei seu sono por alguns minutos
e fiquei a imaginar como seria se eu pudesse ficar ali para sempre, as imagens
que se formavam em minha mente eram agradáveis e calmas e foi então que algo em
meio a toda a ilusão me despertou como uma pontada de dor aguda na boca do
estomago, instantaneamente minhas mãos ficaram geladas e tal inquietação me fez
querer sair dali correndo. Meu coração começou a bater forte, fora do ritmo e
as tentativas de ficar calma só conseguiam me deixar ainda mais nervosa.
Levantei, procurando não fazer barulho,
tateando no escuro consegui encontrar minhas roupas, fui até a sala e comecei a
me vestir, desengonçada. Senti-me vazia, olhei para todos os lados como se
pudesse imaginar que parte do que eu perdera estava ali, escondido em meio a uma
história que não me dizia respeito. Respirei fundo e tentei pensar no que havia
acontecido há pouco, por um momento quis acreditar que tudo o que havia sentido
há algumas horas era o bastante, que tê-lo somente por alguns instantes era
suficiente, que somente o sexo importava, que dentro de mais algumas horas eu
estaria voltando para minha vida, feliz e satisfeita com o que havia obtido,
mas na real, o que eu havia obtido? Nada. “Péssima hora para começar a me
sentir assim” pensei com raiva, eu não queria me sentir culpada por nada. O
tempo todo eu havia dito que aceitaria as consequências, mas na verdade eu
nunca havia sequer pensando no resultado das minhas escolhas e agora eu sentia
um buraco enorme se instalar no meu peito e simplesmente não sabia o que fazer
pra fazê-lo parar de doer.
Acreditei demais em capacidades que
eu tinha inventado pra mim, pensei que seria fácil, pensei que poderia
simplesmente apertar um botão e colocar todos os meus sentimentos em off, mas
não existe esse botão. Acreditei que tinha controle sobre o que eu sentia e
sobre o que eu fazia, mas essa foi a minha maior ilusão. Me enganei até o
limite, e naquele momento tudo que eu poderia fazer era pagar o preço por cada
escolha e por cada mentira que eu contara a mim mesma.
Senti-me emocionalmente exausta,
daria tudo para voltar pra cama e simplesmente aproveitar cada segundo daquela
noite ao lado dele, mas isso eu não consegui fazer. Fiquei sentada no sofá
perdida nos meus pensamentos confusos, com um nó na garganta e um aperto no
peito, tentando encontrar maneiras de continuar com o meu disfarce até que
fosse seguro desabar. Comecei então a
prestar atenção à mobília, à desordem organizada dos objetos, quadros nas
paredes, revistas, levantei-me e caminhei até a estante e deixei que meus dedos
passeassem pela lombada dos livros. Vasculhei o rastro de lembranças de coisas
que eu não havia vivido, eu realmente não poderia fazer parte daquele lugar. O
tempo se encarregaria de apagar as minhas digitais.
Peguei
um dos livros soltos e folheei, acabei derrubando algo sem querer, peguei no
chão, era uma fotografia, meus olhos imediatamente prenderam-se àquela imagem estampada
ali e senti o buraco em meu peito ficar ainda maior. Se até aquele momento
havia algo em mim que continuava imerso, com àquela imagem não dava mais, eu simplesmente tinha que pisar de corpo em alma em terra firme. O que vi ali não era novidade, mas me bateu em cheio e com força.
Não importa quanto tempo nós permaneçamos em sono profundo, mergulhados em
pesadelos sombrios ou em sonhos deslumbrantes, mais cedo ou mais tarde a gente
tem que acordar. Ali, encarando aquela fotografia, confrontando as imagens de
horas atrás com o presente, eu entendi, havia chagado a minha hora de acordar. A realidade estava de braços abertos, esperando para me esmagar com seu peso insuportável.
CONTINUA...