Por: Mayra Borges
- Eu adorei a praia. – disse enquanto
brincava com uma mecha do meu cabelo.
- Eu sabia que ia gostar, não sei
porquê, mas não consigo imaginar você à vontade em um restaurante ou algo
assim... – hesitou e completou – entende o que quero dizer, não é?
- Claro. Você quer dizer que sou
tímida e preciso de um lugar onde eu possa me expressar de uma forma mais
aberta e livre, estou certa? – disse, usando as palavras que ele havia deixado
suspensas nas entrelinhas e completando com um sorriso casual.
Com um gesto de cabeça ele confirmou que eu estava certa e mais uma vez ficou
absolutamente claro para mim que ele estava mesmo me guiando, me levando exatamente
aonde queria que eu fosse. À sombra desse pensamento eu não pude controlar e
meu sorriso casual desmanchou-se num riso distraído e displicente de quem ri de
uma piada ou de uma certeza interna e óbvia.
- Do que está rindo?
- De nada.
- Acho que vou ter que
me acostumar com isso.
- Com o que,
exatamente?
- Com o fato de que
seus sorrisos são sempre um mistério para mim.
- Assim como eu vou ter
que me acostumar com o fato de que seus olhos são sempre um mistério pra mim.
- Eu explicaria pra
você se soubesse como.
- Eu explicaria pra
você se soubesse como. – repeti.
- Mas temos que
concordar que explicar o motivo de um sorriso é muito mais fácil que explicar
um olhar.
- Se eu fosse você não
teria tanta certeza quanto a isso.
- Ok, cada um com seus
mistérios.
- De acordo. – disse
alegremente entre um sorriso e emendei – não tem graça quando a gente consegue
saber tudo sobre a outra pessoa de uma só vez, se não houver nenhum mistério
também não há nenhum encanto, você não concorda?
- De certa forma eu
concordo sim. Acontece que estar com você é a mesma coisa que ler um livro a
medida que ele vai sendo escrito, é impossível adiantar algumas páginas e ver
do que realmente se trata.
- Eu sempre me achei
tão transparente.
- Pra você é bastante
fácil dizer isso.
- Por quê?
- Você é dona de si, se
conhece desde que nasceu. – ele me observou e pela dúvida refletida em meu
rosto completou – ou não?
- Eu não tenho tanta
certeza disso, confesso que nos últimos meses tenho me visto mudar em muitos
aspectos.
- Tudo isso estava
dentro de você e você só está colocando pra fora sem se reprimir por isso,
estou certo?
- Não desse jeito tão simples.
Uma lagarta não... – parei no meio da frase por perceber que o que estava
prestes a dizer era estúpido e clichê demais até pra mim.
Vincent me olhou atentamente e esperou que eu continuasse, mas fiquei em
silêncio e olhei a rua através da janela do carro, mais uma vez constatei que o
mundo lá fora era um enorme borrão, não porque Vincent estivesse dirigindo
rápido demais – muito pelo contrário ele parecia ser mais cauteloso do que eu
esperava – minha mente é que não conseguia pensar em mais nada além de nós dois
ali.
- Uma lagarta não, o
quê?
Vincent indagou e o som da sua voz me fez voltar à realidade.
- Não nada. Era uma
frase estúpida.
- Tem a ver com
borboletas e metamorfoses e esse tipo de coisa?
Eu sorri desconcertada e fiz que sim com a cabeça.
- Não é estúpida é só
uma analogia óbvia demais, mas nem por isso você deixa de estar certa.
- É só que falar sobre
isso vai invariavelmente me levar aos mimimis e eu não estou interessada em
refletir sobre isso esta noite.
- Que bom.
Nós dois rimos alegremente.
- Pra onde estamos
indo? – perguntei, finalmente cedendo à curiosidade.
- Para um lugar sem
provas, não foi isso que você me pediu?
- Foi, mas que tipo de
lugar é esse?
- Não consegue
imaginar?
- Você sabe, sou
péssima em tentar adivinhar você.
- Estamos indo pro meu
apartamento, se não se importar.
- Não me importo.
Tentei, mas não consegui dissimular a surpresa que senti naquele momento.
- Algum problema?
- Nenhum, eu só não
esperava que você fosse mesmo me contar pra onde estávamos indo.
- Na verdade eu só não
disse antes porque você não perguntou. – ele sorriu e apertou o volante.
O apartamento dele seria o último lugar que eu pensaria e saber que
estávamos indo pra lá de algum modo me deixou mais aliviada e fingi não saber o
motivo do meu alívio.
Alguns minutos depois Vincent
anunciou alegremente:
- Chegamos.
- Ótimo.
Ele entrou na garagem e estacionou tranquilamente. Eu apertei as pontas
dos dedos e reprimi um suspiro, é claro que eu estava agitada com tudo aquilo, eu
havia imaginado tudo por muito tempo, mas ali as coisas eram reais, eu tinha
expectativas, mas sinceramente não sabia o que esperar. Confesso que havia um
medo de que as coisas pudessem sair terrivelmente erradas porque já não havia
mais possibilidade alguma de voltar atrás.
Antes que eu pudesse pensar em mais
alguma coisa senti que Vincent olhava pra mim e tudo que eu pude fazer foi
fitá-lo de volta e me deixar mergulhar naqueles olhos negros e indecifráveis. Ele
então se aproximou de mim e o cheiro do seu perfume me atingiu em cheio. Tudo
nele era tão contraditório de uma forma que eu não sabia explicar como, mas eu
queria entendê-lo, queria senti-lo e saber que ele era de verdade.
- Às vezes eu gosto de pensar naquele
dia... – eu falei devagar sentindo a agitação das palavras e das lembranças
dentro de mim.
- Que dia? – Ele respondeu, quase
perto demais do meu rosto.
Eu dei uma pequena pausa, sorri quase timidamente e me aproximei de uma
forma que os meus lábios quase tocavam o lóbulo da sua orelha, perguntei num sussurro:
- Você me quer?
Vincent não disse uma palavra sequer, mas naquele instante eu senti que
em algum lugar no universo uma estrela acabava de surgir, porque a explosão que
aconteceu dentro daquele carro naquele momento, tinha sim a força necessária
pra criar novos astros.
CONTINUA...