13 março 2014

Capítulo 38

Por: Mayra Borges




- Eu adorei a praia. – disse enquanto brincava com uma mecha do meu cabelo.
- Eu sabia que ia gostar, não sei porquê, mas não consigo imaginar você à vontade em um restaurante ou algo assim... – hesitou e completou – entende o que quero dizer, não é?
- Claro. Você quer dizer que sou tímida e preciso de um lugar onde eu possa me expressar de uma forma mais aberta e livre, estou certa? – disse, usando as palavras que ele havia deixado suspensas nas entrelinhas e completando com um sorriso casual.

Com um gesto de cabeça ele confirmou que eu estava certa e mais uma vez ficou absolutamente claro para mim que ele estava mesmo me guiando, me levando exatamente aonde queria que eu fosse. À sombra desse pensamento eu não pude controlar e meu sorriso casual desmanchou-se num riso distraído e displicente de quem ri de uma piada ou de uma certeza interna e óbvia.

            - Do que está rindo?
            - De nada.
            - Acho que vou ter que me acostumar com isso.
            - Com o que, exatamente?
            - Com o fato de que seus sorrisos são sempre um mistério para mim.
            - Assim como eu vou ter que me acostumar com o fato de que seus olhos são sempre um mistério pra mim.
            - Eu explicaria pra você se soubesse como.
            - Eu explicaria pra você se soubesse como. – repeti.
            - Mas temos que concordar que explicar o motivo de um sorriso é muito mais fácil que explicar um olhar.
            - Se eu fosse você não teria tanta certeza quanto a isso.
            - Ok, cada um com seus mistérios.
            - De acordo. – disse alegremente entre um sorriso e emendei – não tem graça quando a gente consegue saber tudo sobre a outra pessoa de uma só vez, se não houver nenhum mistério também não há nenhum encanto, você não concorda?
            - De certa forma eu concordo sim. Acontece que estar com você é a mesma coisa que ler um livro a medida que ele vai sendo escrito, é impossível adiantar algumas páginas e ver do que realmente se trata.
            - Eu sempre me achei tão transparente.
            - Pra você é bastante fácil dizer isso.
            - Por quê?
            - Você é dona de si, se conhece desde que nasceu. – ele me observou e pela dúvida refletida em meu rosto completou – ou não?
            - Eu não tenho tanta certeza disso, confesso que nos últimos meses tenho me visto mudar em muitos aspectos.
            - Tudo isso estava dentro de você e você só está colocando pra fora sem se reprimir por isso, estou certo?
            - Não desse jeito tão simples. Uma lagarta não... – parei no meio da frase por perceber que o que estava prestes a dizer era estúpido e clichê demais até pra mim.

Vincent me olhou atentamente e esperou que eu continuasse, mas fiquei em silêncio e olhei a rua através da janela do carro, mais uma vez constatei que o mundo lá fora era um enorme borrão, não porque Vincent estivesse dirigindo rápido demais – muito pelo contrário ele parecia ser mais cauteloso do que eu esperava – minha mente é que não conseguia pensar em mais nada além de nós dois ali.

            - Uma lagarta não, o quê?

Vincent indagou e o som da sua voz me fez voltar à realidade.  

            - Não nada. Era uma frase estúpida.
            - Tem a ver com borboletas e metamorfoses e esse tipo de coisa?

Eu sorri desconcertada e fiz que sim com a cabeça.

            - Não é estúpida é só uma analogia óbvia demais, mas nem por isso você deixa de estar certa.
            - É só que falar sobre isso vai invariavelmente me levar aos mimimis e eu não estou interessada em refletir sobre isso esta noite.
            - Que bom.

Nós dois rimos alegremente.  

            - Pra onde estamos indo? – perguntei, finalmente cedendo à curiosidade.
            - Para um lugar sem provas, não foi isso que você me pediu?
            - Foi, mas que tipo de lugar é esse?
            - Não consegue imaginar?
            - Você sabe, sou péssima em tentar adivinhar você.
            - Estamos indo pro meu apartamento, se não se importar.
            - Não me importo.

Tentei, mas não consegui dissimular a surpresa que senti naquele momento.

            - Algum problema?
            - Nenhum, eu só não esperava que você fosse mesmo me contar pra onde estávamos indo.
            - Na verdade eu só não disse antes porque você não perguntou. – ele sorriu e apertou o volante.

O apartamento dele seria o último lugar que eu pensaria e saber que estávamos indo pra lá de algum modo me deixou mais aliviada e fingi não saber o motivo do meu alívio.

Alguns minutos depois Vincent anunciou alegremente:

- Chegamos.
            - Ótimo.

Ele entrou na garagem e estacionou tranquilamente. Eu apertei as pontas dos dedos e reprimi um suspiro, é claro que eu estava agitada com tudo aquilo, eu havia imaginado tudo por muito tempo, mas ali as coisas eram reais, eu tinha expectativas, mas sinceramente não sabia o que esperar. Confesso que havia um medo de que as coisas pudessem sair terrivelmente erradas porque já não havia mais possibilidade alguma de voltar atrás.

Antes que eu pudesse pensar em mais alguma coisa senti que Vincent olhava pra mim e tudo que eu pude fazer foi fitá-lo de volta e me deixar mergulhar naqueles olhos negros e indecifráveis. Ele então se aproximou de mim e o cheiro do seu perfume me atingiu em cheio. Tudo nele era tão contraditório de uma forma que eu não sabia explicar como, mas eu queria entendê-lo, queria senti-lo e saber que ele era de verdade.

- Às vezes eu gosto de pensar naquele dia... – eu falei devagar sentindo a agitação das palavras e das lembranças dentro de mim.
- Que dia? – Ele respondeu, quase perto demais do meu rosto.

Eu dei uma pequena pausa, sorri quase timidamente e me aproximei de uma forma que os meus lábios quase tocavam o lóbulo da sua orelha, perguntei num sussurro:

            - Você me quer?

Vincent não disse uma palavra sequer, mas naquele instante eu senti que em algum lugar no universo uma estrela acabava de surgir, porque a explosão que aconteceu dentro daquele carro naquele momento, tinha sim a força necessária pra criar novos astros.


CONTINUA...


8 comentários:

  1. E agora Miriam? Curiosidade altíssima.

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  2. Nossa, essa última frase no final foi uma das mais bonitas que já li em toda minha vida, sério. Daí a gente já tira muita coisa que deve ter acontecido nesse carro... tudo sem provas. Magnifico. Esperando o próximo capitulo, rs.

    Beeijão, escritora! ;**

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    1. Fico feliz que tenhas gostado dessa frase, porque eu achei demasiado clichê rsrs. Ahh os próximos capítulos estão ficando prontos, logo logo postarei.

      Beijos, Samantha *-*

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  3. Acredito que uma constelação irá surgir.

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    1. Um universo paralelo inteiro, exagero hahaha

      Abraços, Claudio.

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  4. Os clichês sempre são muito mais bonitos May. Porque são legítimos, nascem no espontâneo. O amor é clichê, por isso encantador, porque guarda em si, e em cada embate, um big bang capaz de formar novos astros.

    Adorei o capítulo, cheio do mistério que você sabe bem colocar. Em diálogos naturais e uma overdose de sentimentos bem doces e adequados à atmosfera dos acontecimentos. Eles se dão muito bem. Há entrosamento. São duas personagens cheias de personalidade.

    O fim me deixou sem ar. Quero ler mais viu mocinha.

    Beijo!!

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    1. Ahh Alexandre, tenho que concordar com você. A gente fala dos clichês, mas acaba sempre recorrendo a eles porque são legítimos, são bonitos e mesmo aqueles que batem de pés juntos e dizem que não gostam acabam se rendendo algum momento haha

      Fico feliz quando leio algo assim sobre as personagens, tenho muito carinho por eles e tento fazer o meu melhor sempre.

      Logo logo eu posto capítulo novo o/

      Beijos, Alexandre.

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Obrigada.