28 julho 2013

Capítulo 22


ESCRITO POR: MAYRA BORGES


Não era pra se apaixonar. Mas como eu poderia me entregar sem paixão? Não poderia, estaria mentindo. Com ou sem mentira pra ele não faria diferença – talvez; mas e pra mim? Toda diferença do mundo. Tire o sentimento e tudo vira um mero teatro inerte, só o desejo não teria sido suficiente pra me levar até onde eu fui, essa consciência me atingiu com força. Comecei a rir de mim mesma e da minha incoerência. O tempo todo me agarrando a essa frágil e óbvia contradição. Se bem me lembro em algum momento fiz questão de quase gritar que Vincent não era um homem apaixonante, será que alguém acreditou numa mentira tão descarada assim?
E os pensamentos viraram insônia, a noite virou dia, e assim quase uma semana seguiu-se, silenciosa e fria. Uma semana de pensamentos bagunçados e uma ausência sentida.
Carlos me ligou na sexta à tarde, pediu pra me ver, e de repente eu percebi que já não havia mais nada entre nós, nada mais que uma mera cordialidade, toda cumplicidade havia se dissipado, eu já não me sentia pertencente a um sentimento em comum, notei – não sem uma tristeza aguda; que deveria pôr um ponto final numa história cheia de reticências. E foi mais uma noite sem dormir, ensaiando roteiros, procurando eufemismos, tentando encontrar palavras apropriadas para encerrar o capítulo. Quanta idiotice, pessoas não seguem roteiros e também não existem palavras apropriadas para o fim, nada do que eu dissesse evitaria a dor.
O sábado amanheceu frio e chuvoso, eu estava tentando evitar os clichês, mas até a natureza parecia adivinhar o que estava por vir, o clima frio me pareceu acolhedor no fim das contas. Sentei-me a beira da cama, ainda era cedo, sentia-me cansada. Tentei afastar os pensamentos do que teria que fazer mais tarde, mas como era possível?  Lavei o rosto e fui à cozinha preparar um café, sentei-me a varanda e fiquei prestando atenção na cidade que aos poucos ia acordando, barulhenta, apressada. Ao longe podia ver a ondulação do mar, a sensação era de ver a vida ondulando distante, bastaria algum esforço para mergulhar nela inteiramente e eu estava disposta a tentar.
O telefone chamou, demorei alguns segundos pra me dar conta
- Oi.
- Oi amor, to chegando, ta?
- Tão cedo? _ não consegui disfarçar a surpresa.
- É que eu estava morrendo de saudades, queria passar o dia inteiro com você, algum problema?
- Não, tudo bem, só que estava te esperando mais tarde, ainda nem me arrumei, na verdade acabei de acordar.
- Eu não me importo, você fica linda de qualquer jeito.
Forjei um sorriso.
- Tudo bem, eu estou te esperando, então.
- Saudades de você, to louco pra poder te abraçar.
- Eu também...
- Estou chegando daqui uns vinte minutos, ta certo?
- Sim, eu vou tomar um banho, então.
- Tudo bem, linda. Vou desligar, até logo.
- Até.
Havia carinho na voz dele, me pareceu que ele sabia quais eram as minhas intenções e estava tentando voltar atrás, se fosse isso mesmo, não seria a primeira vez, no entanto diferente de antes algo me dizia que não teria volta, não havia mais nada a ser reconsiderado.
                Deixei a xícara ainda cheia de café sobre o balcão na cozinha, não conseguia sentir vontade de comer ou de beber nada. Entrei no banheiro, prendi os cabelos num coque malfeito, a sensação da água gelada foi extremamente desconfortável, mas logo em seguida senti uma onda de calor percorrendo o corpo e fui deixando a água correr e devo ter me perdido no tempo, ouvi a campainha tocar...


 CONTINUA...