ESCRITO POR: MAYRA BORGES
Não era pra se apaixonar. Mas como eu poderia me
entregar sem paixão? Não poderia, estaria mentindo. Com ou sem mentira pra ele
não faria diferença – talvez; mas e pra mim? Toda diferença do mundo. Tire o
sentimento e tudo vira um mero teatro inerte, só o desejo não teria sido
suficiente pra me levar até onde eu fui, essa consciência me atingiu com força.
Comecei a rir de mim mesma e da minha incoerência. O tempo todo me agarrando a
essa frágil e óbvia contradição. Se bem me lembro em algum momento fiz questão
de quase gritar que Vincent não era um homem apaixonante, será que alguém
acreditou numa mentira tão descarada assim?
E os pensamentos viraram insônia, a noite virou dia, e
assim quase uma semana seguiu-se, silenciosa e fria. Uma semana de pensamentos
bagunçados e uma ausência sentida.
Carlos me ligou na sexta à tarde, pediu pra me ver, e
de repente eu percebi que já não havia mais nada entre nós, nada mais que uma
mera cordialidade, toda cumplicidade havia se dissipado, eu já não me sentia
pertencente a um sentimento em comum, notei – não sem uma tristeza aguda; que
deveria pôr um ponto final numa história cheia de reticências. E foi mais uma
noite sem dormir, ensaiando roteiros, procurando eufemismos, tentando encontrar
palavras apropriadas para encerrar o capítulo. Quanta idiotice, pessoas não
seguem roteiros e também não existem palavras apropriadas para o fim, nada do
que eu dissesse evitaria a dor.
O sábado amanheceu frio e chuvoso, eu estava tentando
evitar os clichês, mas até a natureza parecia adivinhar o que estava por vir, o
clima frio me pareceu acolhedor no fim das contas. Sentei-me a beira da cama,
ainda era cedo, sentia-me cansada. Tentei afastar os pensamentos do que teria
que fazer mais tarde, mas como era possível?
Lavei o rosto e fui à cozinha preparar um café, sentei-me a varanda e
fiquei prestando atenção na cidade que aos poucos ia acordando, barulhenta,
apressada. Ao longe podia ver a ondulação do mar, a sensação era de ver a vida
ondulando distante, bastaria algum esforço para mergulhar nela inteiramente e
eu estava disposta a tentar.
O telefone chamou, demorei alguns segundos pra me dar
conta
- Oi.
- Oi amor, to chegando, ta?
- Tão cedo? _ não consegui disfarçar a surpresa.
- É que eu estava morrendo de saudades, queria passar o
dia inteiro com você, algum problema?
- Não, tudo bem, só que estava te esperando mais tarde,
ainda nem me arrumei, na verdade acabei de acordar.
- Eu não me importo, você fica linda de qualquer jeito.
Forjei
um sorriso.
- Tudo bem, eu estou te esperando, então.
- Saudades de você, to louco pra poder te abraçar.
- Eu também...
- Estou chegando daqui uns vinte minutos, ta certo?
- Sim, eu vou tomar um banho, então.
- Tudo bem, linda. Vou desligar, até logo.
- Até.
Havia
carinho na voz dele, me pareceu que ele sabia quais eram as minhas intenções e
estava tentando voltar atrás, se fosse isso mesmo, não seria a primeira vez, no
entanto diferente de antes algo me dizia que não teria volta, não havia mais
nada a ser reconsiderado.
Deixei a xícara ainda cheia de
café sobre o balcão na cozinha, não conseguia sentir vontade de comer ou de
beber nada. Entrei no banheiro, prendi os cabelos num coque malfeito, a
sensação da água gelada foi extremamente desconfortável, mas logo em seguida
senti uma onda de calor percorrendo o corpo e fui deixando a água correr e devo
ter me perdido no tempo, ouvi a campainha tocar...