Mayra Borges
- Eu estou curiosa, pra onde estamos
indo?
- Acho melhor eu não contar agora,
vai acabar estragando a surpresa.
- Vai acabar me matando de
curiosidade.
- Tudo que posso dizer é que há 99,9%
de chances de você gostar.
- Ok, posso tentar adivinhar?
Ele fez que sim com a cabeça.
- Vamos a algum museu?
- Não.
- Ok, que tal...
dançar?
- Errou de novo.
- Cinema?
- Cinema?
Ele olhou pra mim e eu respondi numa risada:
- Não... Que tal, uma
cafeteria, uma livraria, um bar, um planetário, zoológico, shopping, praçinha
da esquina? Tá quente ta frio?
- Está gelado, 7 vezes
não.
- Minhas ideias
acabaram.
- Mas já? Não vou falar
nada.
- Isso eu já percebi,
droga, não consigo imaginar mais nada.
- É por isso que eu acho que você vai
gostar de para onde estamos indo, é algo que você não consegue imaginar e é
justamente isso que vai fazer o simples se tornar uma coisa divertida, ou,
decepcionante._sorriu largamente.
- Quer dizer que é
melhor colocarmos nossas estatísticas em 50% de chance de eu gostar e 50% de
chance de eu não gostar.
- Não, eu mantenho
minha estatística em 99,9% de chance de você gostar, sejamos otimistas. Estamos
quase chegando, só mais uns cinco minutos, ok?
- Quer saber?
- O quê?
Fiquei com vontade de dizer que não me importava pra onde estávamos
indo, que me importava somente com a companhia, mas não disse, porque por um
lado isso me pareceu revelador demais e por outro eu não queria entender o que
estava se passando comigo, deixaria pra pensar em sentimentos quando estivesse
a uma distância segura do Vinc. Não que ele não aparentasse se importar com o
que eu sentia, eu só não queria correr o risco de estragar as coisas.
- Miriam?
- Oi.
- Ia me dizer alguma
coisa?
- Não, nada, era
bobagem minha.
- Eu duvido muito que
fosse.
- Só ia dizer que estou
adorando tudo, só isso.
- Eu vou fingir que
acredito, ok?_ele piscou para mim.
- Certo, melhor assim.
- Pronto, querida.
Ele estacionou o carro. Olhei em volta, vi apenas uma rua comum, pessoas
caminhando na calçada, outros carros estacionados, prédios, lojas fechadas, um
posto de gasolina na esquina e as lâmpadas acesas dos apartamentos. Será que
ele havia me levado para o apartamento dele? Não perguntei. Abri a porta do
carro e saí.
- Chegamos?
- Digamos que quase.
Eu sorri e não disse mais nada, sentia novamente o nervosismo gelando a
ponta dos meus dedos. Havia uma brisa gostosa que ondulava meus cabelos, um
cheiro de maresia que trazia certo encanto aquela rua comum.
- Me acompanha?
- Claro.
Saímos caminhando em direção ao posto de gasolina e dobramos a esquina.
Até então não fazia a menor ideia de para onde estávamos indo. Passos batendo
no asfalto esburacado, poças secas, brisa noturna, respiração muda, coração acelerado,
lado a lado, mergulhávamos em nós mesmos, mergulhávamos em um silêncio de
milhões de palavras. Ainda lembro-me daquela camisa vermelha e da bermuda,
recordo o tom de pele tão claro iluminado pelas lâmpadas amarelas e velhas dos
postes, um sorriso no canto da boca, um olhar próximo e distante, e uma nuvem
de pensamentos sobre a cabeça de cabelos escuros, lisos e recém-cortados. Se eu
soubesse faria uma poesia de nós dois ali, caminhando pela calçada, olhando pro
céu, mãos nos bolsos, pés no chão e cabeça na lua, sei que seríamos uma poesia
perfeita, ou ao menos seríamos num sonho bom, numa lembrança morna.
- Você é assim mesmo?
- Como?
- Quieta, caladinha...
- Às vezes.
- É como se você
estivesse sempre prestes a dizer alguma coisa, tem sempre algo no ar e por mais
que eu tente não consigo entender.
- Então não entenda,
apenas sinta. Eu estava sentindo a noite, os cheiros, a brisa, as luzes e
cores, apenas isso. Me perco fácil em divagações.
- Isso eu sempre soube.
Seguimos por mais uma rua e então eu pude ver uma avenida a nossa
frente, larga e movimentada, através do emaranhado de carros e ônibus pude ver
de onde vinha o cheiro de maresia, era uma praia. Continuamos caminhando,
atravessamos a avenida e paramos na calçada do outro lado, podia ver e ouvir o
barulho das ondas arrebentando nos arrecifes bem à minha frente, o vento
soprando mais forte os meus cabelos, o cheiro de água salgada e ao longe num
imenso céu negro podia ver algumas estrelas tímidas.
CONTINUA...