03 agosto 2013

Capítulo 23


ESCRITO POR: MAYRA BORGES



[...] ouvi a campainha tocar:

Aquele som foi como um despertador que ao invés de me fazer acordar do sonho ruim me trouxe a tona uma espécie de angústia amarga da qual eu inutilmente tentava me esquivar; como se fosse possível ignorar certos tipos de sentimentos corrosivos.
 Passei a toalha em volta do corpo e fui até o quarto, peguei a primeira roupa que encontrei uma calça jeans desbotada e uma blusa azul de manga comprida, prendi os cabelos em um rabo de cavalo enquanto ouvia a campainha tocar mais vezes. Saí do quarto rapidamente, mas estanquei em frente à porta, senti medo de não ter coragem de falar quando eu desse de cara com aquele rosto tão familiar de olhos verdes, cabelos ondulados e sorriso indefinido. Olhei em volta sem saber o que procurava; talvez uma poção mágica que me fizesse encolher ou crescer demais ou então sumir! Um sorriso nervoso surgiu nos meus lábios e eu me obriguei a afastar os pensamentos tolos da cabeça.
                -Miriam?!
A voz dele me deu impulso necessário para girar a chave na fechadura destrancando a porta por fim; abri-a devagar, como se esperasse que ele não fosse estar mais lá. Isso me deixaria aliviada com certeza, mas não resolveria o problema, não era o momento de fugir, eu precisava enfrentar. Dei de cara com aqueles olhos verdes manchados de castanho claro, ele trazia o ar de sempre em seu rosto, despreocupado, quase inocente. Tinha a tão irritante barba por fazer, ao perceber meu olhar inquisidor foi logo tratando em se desculpar.
                - Não tive tempo.
                - Você nunca tem tempo, não é?
Ele me olhou feio e me puxou pra um abraço do qual eu logo tratei de me desvencilhar.
                - Tá tudo bem com você, ficou mesmo chateada por eu não ter feito a barba?
                - Não, não é isso. Me dá um segundo, sim?_ não é só isso, pensei comigo mesma.
                - Ok.
Ele sentou no sofá e eu voltei pro quarto. Devido às muitas noites sem dormir era impossível não demonstrar o quanto eu estava cansada, é claro que isso me deixava mais exposta, frágil, meu cansaço era uma arma contra mim. Disfarcei as olheiras com maquiagem, passei algum batom claro nos lábios, peguei minha bolsa e voltei para a sala.
                - Ué, você vai sair?
                - A gente vai.
                - Pra onde então?
                - Lembra aquela padaria, a minha preferida?
                - Acho que sim._ fez cara de que estava tentando lembrar.
                - Nosso primeiro encontro, lembra que estava chovendo e a gente entrou lá?
                - Ah sim._ a compreensão espalhou-se em seu semblante.
                - Eu odeio essa barba, você sabe, não é?
                - Para de implicar.
Revirei os olhos e dessa vez consegui sorrir um pouco.
                Pegamos o elevador e descemos a rua em silêncio. Ele havia enfiado as mãos nos bolsos do casaco desbotado que era evidentemente muito maior que ele, definitivamente estar bem vestido não era seu forte. Tudo que podíamos ouvir era o barulho dos carros e os nossos próprios passos na calçada. 
                - Tá tudo bem com você?_ ele insistiu.
                - Acho que sim, mas você sabe que a gente precisa conversar, não é?_deixei escapar, mais falando pra mim mesma que para ele.
                - Temos mesmo? Vamos ter que passar por mais uma dessas suas crises sem sentido? Para Miriam, poxa, você sabe que eu te amo.
Crises sem sentido? Era assim que ele via meus sentimentos? Antes mesmo de eu falar qualquer coisa ele já foi tentando se defender, se desculpar o que me fez procurar o exato momento em que havíamos entrado no modo automático daquele relacionamento. Então era óbvio, não é mesmo? Ele estava se acusando, não era pelos simples fato de me conhecer, ele sabia que havia alguma coisa errada e estava tentando compensar, era assim o tempo todo, mas por quê?
                - Engraçado você dizer isso assim.
                - Por que é engraçado?
                - Porque quanto mais você afirma isso, menos eu consigo sentir que é verdade.
Notei um tom irritado na voz dele, enquanto a minha, para minha surpresa; estava firme e calma. Ele parou na minha frente e colocou as mãos nos meus ombros obrigando-me a encará-lo.
                - Por que você não consegue mais sentir o meu amor?
                - Não vamos discutir isso no meio da rua, não assim.
Ele tirou as mãos dos meus ombros e começou a andar na minha frente, mais apressado, como se quisesse fugir de mim. Continuei no meu passo, não havia pressa e era o tempo necessário de organizar meus pensamentos de uma forma lógica do jeito que fosse possível fazê-lo.

CONTINUA