ESCRITO POR: MAYRA BORGES
[...]
ouvi a campainha tocar:
Aquele
som foi como um despertador que ao invés de me fazer acordar do sonho ruim me
trouxe a tona uma espécie de angústia amarga da qual eu inutilmente tentava me
esquivar; como se fosse possível ignorar certos tipos de sentimentos
corrosivos.
Passei a toalha
em volta do corpo e fui até o quarto, peguei a primeira roupa que encontrei uma
calça jeans desbotada e uma blusa azul de manga comprida, prendi os cabelos em
um rabo de cavalo enquanto ouvia a campainha tocar mais vezes. Saí do quarto
rapidamente, mas estanquei em frente à porta, senti medo de não ter coragem de
falar quando eu desse de cara com aquele rosto tão familiar de olhos verdes,
cabelos ondulados e sorriso indefinido. Olhei em volta sem saber o que
procurava; talvez uma poção mágica que me fizesse encolher ou crescer demais ou
então sumir! Um sorriso nervoso surgiu nos meus lábios e eu me obriguei a
afastar os pensamentos tolos da cabeça.
-Miriam?!
A
voz dele me deu impulso necessário para girar a chave na fechadura destrancando
a porta por fim; abri-a devagar, como se esperasse que ele não fosse estar mais
lá. Isso me deixaria aliviada com certeza, mas não resolveria o problema, não
era o momento de fugir, eu precisava enfrentar. Dei de cara com aqueles olhos
verdes manchados de castanho claro, ele trazia o ar de sempre em seu rosto,
despreocupado, quase inocente. Tinha a tão irritante barba por fazer, ao
perceber meu olhar inquisidor foi logo tratando em se desculpar.
- Não tive tempo.
- Você nunca tem tempo, não é?
Ele
me olhou feio e me puxou pra um abraço do qual eu logo tratei de me
desvencilhar.
- Tá tudo bem com você, ficou
mesmo chateada por eu não ter feito a barba?
- Não, não é isso. Me dá um
segundo, sim?_ não é só isso, pensei comigo mesma.
- Ok.
Ele
sentou no sofá e eu voltei pro quarto. Devido às muitas noites sem dormir era
impossível não demonstrar o quanto eu estava cansada, é claro que isso me
deixava mais exposta, frágil, meu cansaço era uma arma contra mim. Disfarcei as
olheiras com maquiagem, passei algum batom claro nos lábios, peguei minha bolsa
e voltei para a sala.
- Ué, você vai sair?
- A gente vai.
- Pra onde então?
- Lembra aquela padaria, a minha
preferida?
- Acho que sim._ fez cara de que
estava tentando lembrar.
- Nosso primeiro encontro,
lembra que estava chovendo e a gente entrou lá?
- Ah sim._ a compreensão espalhou-se
em seu semblante.
- Eu odeio essa barba, você
sabe, não é?
- Para de implicar.
Revirei
os olhos e dessa vez consegui sorrir um pouco.
Pegamos o elevador e descemos a
rua em silêncio. Ele havia enfiado as mãos nos bolsos do casaco desbotado que
era evidentemente muito maior que ele, definitivamente estar bem vestido não
era seu forte. Tudo que podíamos ouvir era o barulho dos carros e os nossos
próprios passos na calçada.
- Tá tudo bem com você?_ ele
insistiu.
- Acho que sim, mas você sabe
que a gente precisa conversar, não é?_deixei escapar, mais falando pra mim
mesma que para ele.
- Temos mesmo? Vamos ter que
passar por mais uma dessas suas crises sem sentido? Para Miriam, poxa, você
sabe que eu te amo.
Crises
sem sentido? Era assim que ele via meus sentimentos? Antes mesmo de eu falar
qualquer coisa ele já foi tentando se defender, se desculpar o que me fez
procurar o exato momento em que havíamos entrado no modo automático daquele
relacionamento. Então era óbvio, não é mesmo? Ele estava se acusando, não era
pelos simples fato de me conhecer, ele sabia que havia alguma coisa errada e
estava tentando compensar, era assim o tempo todo, mas por quê?
- Engraçado você dizer isso
assim.
- Por que é engraçado?
- Porque quanto mais você afirma
isso, menos eu consigo sentir que é verdade.
Notei
um tom irritado na voz dele, enquanto a minha, para minha surpresa; estava
firme e calma. Ele parou na minha frente e colocou as mãos nos meus ombros
obrigando-me a encará-lo.
- Por que você não consegue mais
sentir o meu amor?
- Não vamos discutir isso no
meio da rua, não assim.
Ele
tirou as mãos dos meus ombros e começou a andar na minha frente, mais
apressado, como se quisesse fugir de mim. Continuei no meu passo, não havia
pressa e era o tempo necessário de organizar meus pensamentos de uma forma lógica
do jeito que fosse possível fazê-lo.
CONTINUA
CONTINUA