22 abril 2014

Capítulo 41


Paramos devagar, ele desvencilhou-se do meu abraço e dos meus lábios, mas seus olhos derramaram-se sobre mim banhando-me nas águas escuras e cheias de mistérios do seu olhar. Eu arquejava a procura de ar, porém quanto mais tentava mais meu coração ameaçava arrebentar-se em meu peito estreito. O olhar de Vinc penetrava em mim certeiro, ele contemplava meu corpo e lia minha alma. Paralisei diante dele, mas sem timidez, aquele olhar me transbordava ainda mais, trazia à minha boca o agridoce de um desejo sem precedentes, acariciava minha pele e a queimava, puxava-me do fundo, revelando e tornando nítida a imagem da mulher que eu enxergava somente através do reflexo embotado das minhas dúvidas. E finalmente, numa sensação indescritível e única eu vi minha alma refletida naqueles olhos de um tom castanho quase negro. Reconheci-me então naquele clichê tão bobo e belo: borboleta inteira, recém saída do casulo, assumindo sua real identidade e pronta para aventura-se pelo mundo, ansiando ardorosamente a agitação do vento sob suas asas ainda virgens de liberdade.

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“Assisti sua metamorfose silenciosa e ofegante entre meus lábios, entre meus abraços, moldando-se no suor de nós dois. Era preciso tornar àquela imagem eterna, mas as palavras eram insuficientes diante daqueles cabelos desgrenhados e negros que quase lhe tocavam a cintura, seus lábios desejosos entreabertos e úmidos, seu olhar tão expressivo, quente e translúcido. Seu desejo tão inflamável à flor da pele, sua nudez pura e devassa, a junção daquelas tantas mulheres únicas que habitavam os recônditos de sua alma e que ela mesma desconhecia, mas que se sobrepunham em unidade frente à sua imagem e encantavam meus olhos com deslumbrante beleza, eu não a entendia e nunca poderia entendê-la tamanha era a densidade de seus sentimentos e a rapidez com que vinham à tona e voltavam a mergulhar nas profundezas do seu íntimo, mas eu a sentia, finalmente a sentia, e diante do sentir qualquer saber torna-se insuficiente, tolice apenas.” – Vincent

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            Prostrava-me gloriosa, nua de corpo e alma, diante daquele homem, meus sentimentos estendiam-se diante de nós dois formando pontes que nos juntavam. E tudo isso que agora descrevo com intensa minúcia, sucedeu-se em poucos, mas infinitos, segundos.

            Dei somente um passo e novamente me inclinei sobre ele que me acolheu com força e doçura, desejo e cuidado. Nos beijamos novamente, incontáveis vezes, estávamos ávidos, mas não havia pressa. Por fim cedemos aos apelos da cama que insistia em presenciar e ser parte do nosso desejo. Vinc estendeu seu corpo sobre o meu.

            - Eu sempre sonhei com isso. – sussurrei.

Vinc acariciou meu rosto com os nós dos dedos, beijou-me a fronte, os lábios o queixo, o pescoço os ombros. Suas mãos percorriam meu corpo, mãos fortes, ásperas, mas suaves, perdiam-se no vão entre as minhas pernas, Vinc deleitava-se com meu prazer, com o tremular do meu corpo, com os meus sussurros incompreensíveis e nos meus gemidos tímidos. Sua língua encontrou meus seios, provocou-me arrepios, delírios. Tive novamente a sensação de que meu peito arrebentaria, mas agüentei firme enquanto meu corpo afogava-se num prazer inédito e embriagante.
           
            Por muito tempo atravessei noites inteiras ardendo em sonhos e desejos inexplicáveis, com sede e ânsia, agora bebia aquela água preciosa, no entanto quanto mais bebia mais minha sede aumentava, insaciável e infinita. Ali naquele quarto tudo era infinitamente maior e melhor do que tudo que eu havia imaginado algum dia.

             Sorvia cada segundo quase em desespero, aquele momento muito provavelmente era tudo que eu teria, era tudo, mas não era suficiente. Uma noite é ínfima para quem deseja uma vida inteira. Perdida em meio às inúmeras sensações, eu o detia com força entre meus braços, enlaçava-o com minhas pernas, movimentava-me em sincronia com seus movimentos, queria que fosse eterno, permanente, queria tatuá-lo em minha pele ou então tatuar-me nele. Já havia perdido a conta de quantas vezes havia beijado-o por inteiro e quantas vezes ele fizera o mesmo. Eu fingir não perceber o deslizar contínuo do tempo.

            Vinc brincava comigo, fazendo-me esperar, numa doce tortura, beijava meus quadris, a parte interna das minhas coxas, podia sentir a aspereza da sua barba em minha pele, arrepiava-me, sentia seus dentes roçando de leve meu quadril, seus lábios úmidos e por fim sua língua deslizando em mim, e quando agitava-me com a espera minhas mãos quase que por vontade própria insistiam em segurar sua cabeça, sussurrava entre gemidos.

            - Não pare agora.

Mas era inútil, Vinc tomava minhas mãos e as beijava, fitava-me cinicamente e negava com um gesto lento de cabeça. Então puxei-o para mim com força, coloquei meu corpo sobre o seu e meus cabelos encobriram seu rosto, movimentei levemente o quadril fazendo-o soltar um breve gemido de satisfação. Eu já não aguentava esperar um só segundo que fosse. Aproximei meus lábios do seu ouvido e disse com um tom propositalmente autoritário:

            - Eu quero agora.
            - Como negar isso a você?

Ele permaneceu me olhando nos olhos e eu pude ver novamente o quanto ele me queria. Senti-o usar o peso do seu corpo contra o meu, ele rendia-me com uma facilidade deliciosa... Nossas peles misturavam-se, meus cabelos enrolaram-se em seu peito, nossas pernas entrelaçaram-se, sentia-me como metal sendo aquecido e reforjado, meu corpo moldava-se ao dele de forma a não deixar espaços vazios, dançávamos numa harmonia de gestos que se completavam e prosseguiam, reinventávamos o tempo e a poesia, havia ali uma nova estação, sextos e sétimos sentidos, primeiras, terceiras e tantas intenções, dali em diante nada seria igual, mas recusei-me a pensar no amanhã.

            Tudo que tínhamos era o agora. O passado era silêncio e o amanhã havia de raiar muito além do alcance das nossas vistas cansadas, amanhã poderia ser vida ou morte, desilusão ou esperança, não cabia saber, não nos cabia ter pressa.  

            - Eu quero ser sua. – sussurrei impaciente.

            - Você já é minha. 


CONTINUA...


18 abril 2014

Capítulo 40



Tinha a sensação de que o mundo fora daquele apartamento nunca existira de fato, e que minha vida até ali havia sido mera ficção. A cada segundo novas sensações atravessavam o meu corpo e minha mente, entreguei-me sem medidas, fluí correnteza. Diante dos meus olhos semicerrados o tempo desacelerava e já não existiam mais amanhãs nos calendários. Tal intensidade me fazia sentir como se minha vida estivesse resumida ali, mesmo que aquele ali não passasse de alguns minutos, mesmo que aquele muito fosse ser tão pouco. 

- Você me quer?
            - Você acabou de fazer essa pergunta, não foi? – respondi, quase sem voz.
            - Você ainda não deu a resposta que eu quero ouvir. – sussurrou.
            - O que você quer ouvir Vincent? – perguntei, estremeci.
            - Você me quer? – Ele insistiu.  

Aquela noite demos vida às palavras, aos desejos; através dos gestos, dos tons, dos toques... Aquela noite nos tornamos finalmente intérpretes da história que havíamos escrito. Vinc não fazia aquela pergunta porque tinha dúvida quanto à resposta, a ele não interessava somente o óbvio, mas as palavras certas, para mim foi fácil entender isso, porque era exatamente o que eu queria, não era uma brincadeira ou um capricho. Todas as nossas conversas passaram como um sonho, e ao pronunciar todas as frases antes escritas transformávamos o sonho em realidade, estávamos entre o passado e o agora, havia em nós a necessidade latente de unir as duas faces da história em um único momento que fosse: absolutamente real e ao alcance dos dedos, dos olhos, dos ouvidos, da pele e do ser inteiro, presente e passado coexistentes. 

          - Sim, eu quero. – sussurrei em seu ouvido enquanto brincava com os dedos na sua nuca e meus olhos absorviam a imagem daquele rosto impenetrável.
            - De que forma? – Um sorriso formou-se em seus lábios, provocante.
            - Não está claro o bastante? – devagar mordi seu lábio, Vinc devolveu com um beijo rápido.
            - De que forma? – Insistiu.

Eu sabia o que ele queria ouvir, mordi o lábio, pus meus braços em volta do seu pescoço, senti os movimentos do seu peito, sua respiração apressada e irregular; beijei sua face e aproximando bem os meus lábios do seu ouvido falei devagar enquanto mergulhava meus olhos nos dele:

- Eu quero você na minha cama, por uma noite, por um momento ou por quantos vierem.

Vinc me estreitou ainda mais em seus braços, eu podia sentir as centenas de quilômetros que outrora nos separavam dissolvendo-se no suor dos nossos corpos juntos. Meu coração batia forte, engoli seco. Vinc então respondeu:

            - Você me tira do sério, garota.
            - Eu sei.

Com uma mão na minha cintura e outra na minha nuca ele me puxou contra o peito e me beijou de uma forma como eu nunca havia sido beijada, meu corpo inteiro despertou, eu estava trêmula, meus cabelos grudavam na pele com o suor. Senti suas mãos deterem-se um momento no fecho do meu sutiã que em alguns segundos estava aos meus pés, continuamos nos beijando como se fossem os últimos beijos de nossas vidas. Vinc me guiava aos tropeços pela casa, esbarrávamos em móveis, batíamos nas paredes, e íamos formando uma trilha de roupas pelo chão.

            De repente cada centímetro do meu corpo podia sentir o dele, eu já conseguia prever a sensação – mesmo que ilusória – de que seríamos um só. Por fim chegamos no quarto...

CONTINUA...