ESCRITO POR: MAYRA BORGES
Chegamos
à padaria e de repente descobri, redescobri, como fosse, que havia paz ali,
aconchego, uma espécie de refúgio, não era só o cheiro de pão fresquinho ou os
doces aromas que pairavam no ar. Ali não era o meu lugar favorito por ser lindo
ou fazer o melhor café, era palco de lembranças memoráveis que eu não poderia
esquecer nunca, mesmo as mais tristes.
Havia
uma lanchonete a parte para os clientes que gostavam de tomar café ali mesmo,
muitas vezes havia ficado horas ali com uma xícara de café e um livro qualquer,
sempre que não queria a solidão como cúmplice eu descia a rua e entrava lá.
- Bom dia, o que vão querer?
- Dois cafés fortes, por favor._
pedi.
- Fiquem à vontade que já
sirvo._ disse o atendente.
Dirigi-me
a mesinha do canto, mais confortável e reservada, o Carlos me seguia com passos
duros e semblante pesado.
- Por que você me trouxe aqui?
Abaixei
a cabeça e suspirei.
- Foi aqui que a gente começou,
é um lugar importante, não acha?
- O que quer dizer com isso?
- Que me sinto à vontade aqui,
algum problema?
- Não.
Ele
olhava para além da janela, como se procurasse por respostas inexistentes.
- O que você quer me dizer?_ ele
perguntou.
O
rapaz veio entregar nossos pedidos e se afastou rapidamente.
- Lembra que me perguntou por
que eu não consigo mais acreditar no amor que você sente por mim?
- Uhum._ ele bebericou o café e
por fim olhou pra mim.
- É tão difícil te dizer isso.
- É igualmente difícil ficar
aqui esperando você tomar coragem pra me dizer que não quer mais ficar comigo,
inventando motivos pra essa decisão, dando voltas pra dizer que não consegue
mais sentir o meu amor porque foi você quem deixou de me amar e já faz muito
tempo._ ele jogou todas aquelas palavras aos montes na minha frente, me
deixando atordoada, confusa.
- Não é bem isso...
- Então o que é?
- Eu não estou procurando
desculpas, eu estou falando a verdade. O amor não é só de palavras, não se
alimenta de si próprio, ele requer cuidado, atenção, tempo, requer gestos.
- E eu nunca te dei nada disso?_
finalmente vi que os olhos dele estavam marejados de lágrimas pesadas.
- Nunca é tempo demais, mas já
faz algum tempo que estamos distantes e não me refiro apenas ao físico.
- E o que você quer que eu faça?
- Nada.
- Você também não coopera, como
é que eu posso fazer alguma coisa se eu não sei o que está errado?
- Não percebeu o quanto tenho
estado distante de você? Antes você me buscava, me trazia pra perto, enfrentava
tanta coisa por mim e hoje? Você nem se importa mais em me ligar.
- Não queira que as coisas sejam
eternamente as mesmas.
- Não quero, mas a meu ver num
relacionamento as pessoas criam laços e não nós. Criam vínculos, não me sinto
mais pertencente a um sentimento em comum, mas em uma coisa você está certo.
- O quê?
- Talvez eu tenha deixado de te
amar a muito tempo, e pra mim não dá mais.
- Há quanto tempo?
Dei
de ombros.
- De que importa?
Ele
levantou o braço pedindo a conta.
- Você tem razão, nada mais
importa aqui._ ele secou as lágrimas e eu também sequei as minhas.
- Não queria que as coisas
chegassem a esse ponto, mas não vou te pedir mais nada.
- Melhor assim, Miriam. Só uma
coisa, você se afastou de mim e eu respeitei o seu espaço, quis seguir no teu
ritmo mesmo sem saber como as coisas funcionavam pra você, em nenhum momento eu
deixei de te amar, nem mesmo agora.
- Amar é quase como andar de
bicicleta, se a gente parar cai. O amor não pode parar. Eu quis ir embora e
você me deixou ir, não é culpa sua, mas agora eu simplesmente não posso mais
voltar.
- Seria bonito te ver voltar.
- Eu sei.
Ele
colocou o dinheiro da conta sobre a mesa, arrumou a gola do casaco e ficou de
pé. Eu podia ver cada linha de expressão daquele rosto refletir um desânimo e
uma tristeza que me fazia triste também.
- Mas se o que você quer é voar,
passarinhos foram feitos pro céu e não pra gaiolas. Você não nasceu pra morar
no meu peito, eu insisti, desde o começo. Foi tão bonito ter você, e você sabe
que está doendo agora, mais que todas as vezes que brigamos.
Fiz que sim com a cabeça. Ele
veio até mim e me deu um beijo na testa e antes de me dar as costas, disse:
- Voe.
Eu
vou voar, pensei. Tomei todo o café já um pouco frio. E percebi que apesar da fina camada de tristeza que se acumulava
em algum lugar do meu peito havia o riso, estampado, decidido, destemido, riso
solto... Era impossível que tudo aquilo não doesse, estava doendo, mas não
pesava, não maltratava, não era ferida profunda, nem mágoa nem nada, era uma
despedida, era a estação final daquela linha, mas tudo bem eu sabia que mais
cedo ou mais tarde chegaria outro trem, encontraria novos caminhos. E percebi
que sozinha eu estava e ficaria bem.