28 dezembro 2013

Capítulo 34


Mayra Borges


- Eu estou curiosa, pra onde estamos indo?
- Acho melhor eu não contar agora, vai acabar estragando a surpresa.
- Vai acabar me matando de curiosidade.
- Tudo que posso dizer é que há 99,9% de chances de você gostar.
- Ok, posso tentar adivinhar?

Ele fez que sim com a cabeça.
           
            - Vamos a algum museu?
            - Não.
            - Ok, que tal... dançar?
            - Errou de novo.
            - Cinema?
            - Cinema?

Ele olhou pra mim e eu respondi numa risada:
           
            - Não... Que tal, uma cafeteria, uma livraria, um bar, um planetário, zoológico, shopping, praçinha da esquina? Tá quente ta frio?
            - Está gelado, 7 vezes não.
            - Minhas ideias acabaram.
            - Mas já? Não vou falar nada.
            - Isso eu já percebi, droga, não consigo imaginar mais nada.
- É por isso que eu acho que você vai gostar de para onde estamos indo, é algo que você não consegue imaginar e é justamente isso que vai fazer o simples se tornar uma coisa divertida, ou, decepcionante._sorriu largamente.
            - Quer dizer que é melhor colocarmos nossas estatísticas em 50% de chance de eu gostar e 50% de chance de eu não gostar.
            - Não, eu mantenho minha estatística em 99,9% de chance de você gostar, sejamos otimistas. Estamos quase chegando, só mais uns cinco minutos, ok?
            - Quer saber?
            - O quê?

Fiquei com vontade de dizer que não me importava pra onde estávamos indo, que me importava somente com a companhia, mas não disse, porque por um lado isso me pareceu revelador demais e por outro eu não queria entender o que estava se passando comigo, deixaria pra pensar em sentimentos quando estivesse a uma distância segura do Vinc. Não que ele não aparentasse se importar com o que eu sentia, eu só não queria correr o risco de estragar as coisas.

            - Miriam?
            - Oi.
            - Ia me dizer alguma coisa?
            - Não, nada, era bobagem minha.
            - Eu duvido muito que fosse.
            - Só ia dizer que estou adorando tudo, só isso.
            - Eu vou fingir que acredito, ok?_ele piscou para mim.
            - Certo, melhor assim.
            - Pronto, querida.

Ele estacionou o carro. Olhei em volta, vi apenas uma rua comum, pessoas caminhando na calçada, outros carros estacionados, prédios, lojas fechadas, um posto de gasolina na esquina e as lâmpadas acesas dos apartamentos. Será que ele havia me levado para o apartamento dele? Não perguntei. Abri a porta do carro e saí.

            - Chegamos?
            - Digamos que quase.

Eu sorri e não disse mais nada, sentia novamente o nervosismo gelando a ponta dos meus dedos. Havia uma brisa gostosa que ondulava meus cabelos, um cheiro de maresia que trazia certo encanto aquela rua comum.

            - Me acompanha?  
            - Claro.

Saímos caminhando em direção ao posto de gasolina e dobramos a esquina. Até então não fazia a menor ideia de para onde estávamos indo. Passos batendo no asfalto esburacado, poças secas, brisa noturna, respiração muda, coração acelerado, lado a lado, mergulhávamos em nós mesmos, mergulhávamos em um silêncio de milhões de palavras. Ainda lembro-me daquela camisa vermelha e da bermuda, recordo o tom de pele tão claro iluminado pelas lâmpadas amarelas e velhas dos postes, um sorriso no canto da boca, um olhar próximo e distante, e uma nuvem de pensamentos sobre a cabeça de cabelos escuros, lisos e recém-cortados. Se eu soubesse faria uma poesia de nós dois ali, caminhando pela calçada, olhando pro céu, mãos nos bolsos, pés no chão e cabeça na lua, sei que seríamos uma poesia perfeita, ou ao menos seríamos num sonho bom, numa lembrança morna.

            - Você é assim mesmo?
            - Como?
            - Quieta, caladinha...
            - Às vezes.
           - É como se você estivesse sempre prestes a dizer alguma coisa, tem sempre algo no ar e por mais que eu tente não consigo entender.
          - Então não entenda, apenas sinta. Eu estava sentindo a noite, os cheiros, a brisa, as luzes e cores, apenas isso. Me perco fácil em divagações.
            - Isso eu sempre soube.


Seguimos por mais uma rua e então eu pude ver uma avenida a nossa frente, larga e movimentada, através do emaranhado de carros e ônibus pude ver de onde vinha o cheiro de maresia, era uma praia. Continuamos caminhando, atravessamos a avenida e paramos na calçada do outro lado, podia ver e ouvir o barulho das ondas arrebentando nos arrecifes bem à minha frente, o vento soprando mais forte os meus cabelos, o cheiro de água salgada e ao longe num imenso céu negro podia ver algumas estrelas tímidas. 


CONTINUA...



22 dezembro 2013

Capítulo 33

Por: M. Borges


Devagar me despedi daquele primeiro abraço. Ficamos nos olhando por algum tempo e nossos lábios pareciam eternamente curvados em sorrisos incontidos. Eu olhava para ele e já não conseguia mais entender o que acontecia dentro de mim, não saberia dizer se meu coração estava batendo, se eu estava respirando, se meus pés estavam no chão, se era real ou apenas mais um sonho do qual eu acordaria em seguida sem poder mais voltar, habitava em mim uma felicidade que me jogava para todos os lados numa mistura insana de euforia, medo e outro sentimento que não quis nomear nem acreditar.

            Fixei meus olhos naquele sorriso, naqueles lábios e de repente tive consciência de que minha garganta estava seca, mas não era água que eu queria. As cenas passaram-se em segundos até ele quebrar o curto silêncio entre nós:

            - Acho melhor irmos agora.

Fiz que sim com a cabeça e ele me ofereceu o braço.

            - Para onde você vai me levar?_ perguntei.
            - O que você sugere?
            - Eu vim até aqui, a partir de agora está em suas mãos.

Ele me dirigiu um olhar provocante e respondeu:

            - Você não deveria ter dito isso.
            - Será que não?_ respondi, tentando devolver o mesmo tipo de olhar e expressão.

Ele não respondeu, apenas sorriu. Descemos as escadas, atravessamos a pequena recepção e ao sair na rua senti uma agradável brisa noturna no rosto, olhei para o céu, mas devido à iluminação não havia uma estrela sequer. Ele desvencilhou-se gentilmente do meu braço e fomos até o carro.

            - Nervosa?_ ele perguntou.
            - É, um pouco.

Ele sorriu gentilmente e respondeu:
           
- Acharia estranho se dissesse que não, eu te entendo. Miriam _ ele olhou pra mim com um sorriso infinito _ você é uma garota maluca.
            - Sou? Bem, será que posso considerar isso um elogio?
            - Deve. Fico feliz que tenha vindo, mas isso você já sabe, não é mesmo?
            - Sei sim e quero te dizer novamente que também estou feliz por ter vindo, é que pela primeira vez estou sentindo que de algum modo eu posso decidir por mim e tomar as rédeas da minha própria vida..._ de repente parei de falar, senti que estava tagarelando demais, minhas mãos estavam geladas. Demos mais alguns passos e ele completou:
            - Liberdade.
            - Assumir os riscos...
            - Quer dizer que eu represento um risco pra você?
            - O que você acha?
            - Se eu disser que você não tem com o que se preocupar estaria mentindo.
           
Sorrimos e eu percebi a cada gesto o quanto estava envolvida com aquela situação e com aquele homem, havia certa tensão no ar, no entanto, o momento era de descontração, não falávamos de nada em especial e finalmente senti que minhas mãos estavam voltando a temperatura normal.

Olhei para fora através do vidro escuro da janela do carro.

            - Posso abrir?
            - Claro.

Senti o vento entrando pela janela, brincando com meus cabelos e me senti realmente livre, fui invadida pela sensação de certeza, eu estava onde queria estar, onde deveria estar e com quem realmente queria estar. Deixei de lado lembranças do passado e preocupações com o futuro, tudo o que eu tinha era aquele momento e eu queria fazer valer, queria viver, eu tinha uma chance e não a desperdiçaria. De repente eu estava sorrindo, rindo alto, riso largo sem me preocupar se ele me acharia louca, infantil, desesperada, apenas sorrindo e logo percebi que ele estava pensando como eu, estava se divertindo comigo, sendo a liberdade que eu sentia e rindo comigo, apenas rindo. Ele olhou pra mim, não perguntou porque eu estava sorrindo daquele jeito, apenas disse:

            - Você é maluca.        
            - Você já me disse isso.
            - É que ao repetir isso só estou evidenciando o quanto eu gosto de você.
            - Quer saber?
            - O quê?
            - Você é um cara legal.
            - Sou.
            - Convencido também.
            - Você já me disse isso.
            - É que ao repetir isso só estou evidenciando o quanto eu gosto de você.


E mais uma vez lá estávamos nós, com sorrisos infinitos nos lábios e a vontade transbordando pelos poros. 


CONTINUA...


12 dezembro 2013

Capítulo 32

Mayra Borges


Exatas nove horas e doze minutos, ouvi batidas na porta. Procurei respirar fundo, mas o gesto foi inútil, pois naquele momento todo o oxigênio do planeta parecia insuficiente para meus pulmões. Caminhei até a porta em pânico e em um primeiro momento hesitei em abri-la, tentei respirar fundo novamente e desta vez quase cheguei perto, mas ou o ar estava rarefeito demais ou eu simplesmente havia desaprendido a fazer aquilo. Fiquei parada em frente à porta por alguns segundos até ouvir mais algumas batidas. Levei a mão à chave e abri de uma vez.

- Oi?
- Você é a Miriam, certo?

Uma mulher com olhos extremamente grandes e cara redonda cheia de sardas olhava para mim através das lentes manchadas e grossas dos óculos.  Era a recepcionista ou algo assim. Sorri um pouco demais ao perguntar, tentando disfarçar minha cara de decepção e de alívio ao mesmo tempo:

- Ahh, sim, sou eu sim, algum problema?

 Ela me olhou um pouco e respondeu:

- Não, é só que tem um rapaz lá embaixo a sua procura, Vi... Vic...
- Vincent._completei e senti meu coração acelerar novamente.
- Isso._ela sorriu meio sem jeito._Posso deixá-lo subir?

Ainda estava me recuperando da sensação de um pré-enfarto e prestes e ter um novo, tentando segurar o riso e a vontade de sair correndo o que me fez demorar alguns segundos para responder com um ar meio atrapalhado:

- Claro, você... pode, pode sim.
- Está tudo bem?_perguntou a mulher me olhando de uma forma curiosa.

Fiz que sim com a cabeça e a recepcionista olhou para mim mais uma vez antes de dar as costas e descer as escadas no final do corredor, quando tive certeza de que ela não poderia mais me ouvir comecei a rir e momentos depois, fui surpreendida por uma pergunta:

            - O que é tão engraçado?

Olhei para frente um tanto surpresa e dei de cara com Vincent que me fitava com um meio sorriso nos lábios e um ar de curiosidade no rosto. Por alguns segundos perdi a capacidade de raciocínio, fiquei parada olhando para ele sem saber o que dizer, até que por fim respondi:

            - Não foi nada.
            - Depois vou querer saber o que foi isso.
            - Se eu te contar que é puro nervosismo talvez vá pegar mal, não acha?
            - Não, é perfeitamente razoável, eu causo esse efeito nas pessoas.
            - Ahh meu Deus, você é mesmo um convencido!_revirei os olhos e soprei uma mecha do cabelo pra longe dos meus olhos.

Ele me observou e respondeu.

            - Ahh meu Deus, você é mesmo linda e despretensiosamente sexy.


Acho que enrubesci, mas não tenho certeza, porque depois de dizer isso ele sorriu largamente, deu alguns passos na minha direção e me puxou devagar para um primeiro abraço. Não poderia descrever aquele momento nem se passasse o resto da minha vida buscando palavras boas o suficiente. Envolveu-me em seus braços de uma maneira aconchegante, pude sentir seu perfume amadeirado se misturando à minha pele, uma das mãos afagando ligeiramente o meu cabelo e o som abafado das nossas risadas. Naquele momento eu pude entender que nem eu mesma sabia o quanto havia esperado por aquele encontro, por aquele abraço e pelo que quer que fosse acontecer depois dele... Se me perguntassem não saberia dizer se naquele momento o mundo parou ou se começou a girar mais rápido. 


Continua...


04 dezembro 2013

Capítulo 31



Fui até a esteira e de posse da minha mala meio vazia saí à procura de um táxi, não demorou muito e lá estava eu seguindo rumo ao hostel e pensando no que aconteceria em seguida, como seria vê-lo e o que diríamos afinal... obviamente não encontrei nenhuma resposta conclusiva para tais questões, que tinham como principal função elevar a minha ansiedade a níveis cada vez mais críticos.

No trajeto de quase duas horas até o hostel pensei em mandar um sms avisando que havia chegado, mas preferi fazer isso depois de estar devidamente instalada e descansar um pouco.  

Depois de tomar um banho, comer duas barras de cereais e tirar um cochilo de aproximadamente uma hora, achei por bem dar notícias. Peguei o celular e para minha surpresa havia uma mensagem do Vinc, perguntando se tinha chegado bem, respondi que sim e em seguida ouvi o telefone tocar, era ele...

- Oi.
- E ai, foi tudo bem durante a viagem?
- Tudo ótimo, cheguei faz quase umas 4 horas, estava cansada e acabei apagando.
- Ok.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, pude ouvi-lo respirar do outro lado algumas vezes.

            - Te vejo a noite?_ele perguntou por fim.
            - Ahh, claro.
            - Eu passo ai pra te buscar, combinado?
            - Sim, que horas Vinc?
            - As 9, ta bom pra você?

Olhei para o relógio, suprimi um suspiro e respondi:

            - Está ótimo.

Pude escutá-lo sorrindo.
           
            - O que foi?_ perguntei.
            - Nada, bem, na verdade eu não consigo acreditar que você esteja realmente aqui.
            - Pois acredite.
            - Miriam?
            - Oi...
            - Estou feliz que tenha vindo.
            - Vinc?
            - Oi...
         - Eu também estou. Esta sendo algo incrível, mas acho melhor a gente deixar essa conversa pra depois, não quero correr o risco de ficar sem ter o que conversar com você._ sorri.
            - Fica tranquila, não vai nos faltar assunto e nem alternativas para a falta dele, como você quiser.

Mordi o lábio e limitei-me a responder:

            - Ótimo.
            - Eu tenho que desligar, mas a gente se vê mais tarde não esqueça._ ele sorriu.
       - Ainda bem que você me lembrou, me deixa anotar, minha memória não anda lá muito boa ultimamente._ brinquei e mais uma vez ele sorriu do outro lado.

Joguei o celular sobre a cama de solteiro, olhei em volta, não tinha muitas opções de diversão até a hora do encontro. O quarto era simples e eu me atreveria a dizer que de certa forma parecia aconchegante. Caminhei até a janela, fora alguns prédios cinzentos em contraste com um céu extremamente limpo e azul tudo o que eu podia ver eram carros e pessoas passando apressados pelas ruas. Um vento quente entrava pela janela e uma fina camada de suor se formava na minha testa, fiquei na janela por mais alguns minutos, imaginando histórias e destinos para as pessoas e os carros que passavam, me distraindo da minha própria história e destino e evitando pensar demais.

            A tarde correu quente e lentamente, como se alguém estivesse brincando de segurar as horas. O tempo sempre tão apressado resolveu mudar justamente naquela bendita tarde de sexta feira.  Andei de um lado pro outro do quarto, ensaiei inutilmente ótimas conversas na frente do espelho, espalhei as roupas que havia trazido, tentando me decidir sobre qual usar, calça ou vestido? Que tal esse short? E essa blusa? Depois de muitas poses em frente ao espelho manchado do quarto, acabei me decidindo por algo simples, afinal não adiantava querer aparecer com um vestido lindo e maquiagem impecável e não me sentir a vontade em cima de um salto alto, no final das contas tudo o que importava era ser simples, ou seja, ser eu mesma, mesmo que isso fosse quase um risco.

            Olhei para o relógio pela milionésima vez e finalmente, 8:00. Entrei no cubículo que eles chamavam de banheiro e tomei um bom banho ao menos a água estava uma delícia. Saí do banho enrolada na toalha e senti um arrepio percorrer todo meu corpo junto com um sorriso nervoso, mais uma vez a mistura de medo e desejo. Joguei a toalha molhada em cima de uma cadeira e vesti-me. Uma regata, um short jeans e meus tênis da sorte, talvez estivesse um pouco despojado demais, mas era muito tarde pra tentar encontrar outra coisa. Coloquei os brincos e alguns acessórios. Soltei os cabelos que ondularam às minhas costas, fiz uma sombra leve, apenas para ressaltar meus olhos e, claro, o batom vermelho, algo em mim dizia que ele esperava por isso. Um pouco de hidratante e um leve perfume, dei uma olhada em mim mesma no espelho, estava aceitável, sorri nervosamente e olhei o relógio, 8:50.

            Exatas nove horas e doze minutos, ouvi batidas na porta. Era ele...

CONTINUA...