ESCRITO POR: MAYRA BORGES
Fogo costuma deixar sinais de
fumaça, talvez tenha definitivamente apagado. Esse pensamento atravessou a
minha mente enquanto eu olhava para a tela do computador sem esperanças,
balancei a cabeça negativamente, dei de ombros e voltei a me deitar. Há quantos
dias ele não aparecia? Duas semanas? Havia perdido as contas e havia um sabor ácido de
ressentimento em mim.
Instintivamente olhei para a
gaveta onde guardara as passagens, não era minha ideia desistir daquela viagem,
essa hipótese em momento algum passara pela minha cabeça desde que as comprara.
Bom a verdade era que eu nunca quis conhecer Recife estava indo por conta de
alguém que muito provavelmente nem saberia da minha estadia na cidade, pensar
nisso apurou a acidez em minha boca. Volta e meia o rosto dele me vinha à mente
e então as lembranças da nossa última conversa me invadiam, aquele corpo
despido e todo o prazer proporcionado à distância, delírio, pra nunca mais.
Bastaram às recordações pra eu
despertar. E foi então que a luxúria avançou ao ódio e se fundiu a ele, dois
sentimentos fortes demais e completamente entrelaçados. O ódio em meio ao
desejo e o desejo em meio ao ódio. O odiava por
estar longe, por sempre ter que ir embora e pela mania insuportável de
desaparecer, odiava sentir-me como um brinquedo abandonado no canto do armário
porque havia outro brinquedo melhor. Odiava sentir-me irrevogavelmente
frenética, entregue e sem dono... O odiava ainda mais por ser a causa disso e
ao mesmo tempo desejava-o por tudo que me provocava, porque era lindo, esperto
e por ser tão cafajeste. Aos poucos ia me transformando em paradoxo, sabia que
estava errada, ou será que não estava? Balancei a cabeça de novo como se os
pensamentos fossem moscas zumbindo no meu ouvido e aquele gesto pudesse
afastá-las, não pode.
Em meio a pensamentos perdidos e
embaralhados revertia o ódio a meu favor ou contra mim, odiava meus gestos
tolos de entrega, minhas palavras tolas de encanto e meus desejos todos,
armadilhas. Não deveria ter sido tão complacente, tão confessa e tão estúpida. Parte
de mim queria negar o inegável enquanto outra parte queria apenas estar
vulnerável, nesse mar enevoado, violento e incompreensível que é o ser mulher.
Ali deitada em minha cama comecei
a alimentar uma raiva intempestiva, e o rosto dele me vinha a mente com aquela
expressão propositalmente despreocupada, tudo nele era tão encantador que soava
extremamente falso como se tudo aquilo fosse premeditado e estudado pra surtir
exatamente aquele efeito irracional e irrefreável no qual o ter consciência não
era o bastante pra fugir. Então fui tomada por uma necessidade urgente de
meter-lhe a mão no meio da cara só para desmanchar aquele ar de cínico, vontade
de esmurrar, arranhar, bater com todas as minhas forças e esperar que reagisse,
mas acontece que em meio a esse ataque violento, forjado; havia a minha
rendição. E o tremor que agitava meu corpo já não era puro ódio, mas sim uma
amalgama de desejo pueril e a minha vontade era a de ser dominada. Queria
sentir aquelas mãos segurando meu rosto, queria estar sem saída, contra a
parede, queria que ele calasse meus gritos com um beijo indecente. Ansiava
pelas mãos nos meus pulsos e o peso de seu corpo sobre o meu, queria a falta de
ar e de forças, ao mesmo tempo em que precisava xingá-lo com as palavras mais
baixas do meu vocabulário. E cuspir na cara dele o quanto era ordinário,
cafajeste e cínico e confessar a minha parcele de culpa e todo o cinismo compartilhado.
Eu era dele, mas ele não era meu,
então se acontecesse, não haveria segunda vez, depois do gozo anunciado e de
algumas horas a mais sairia pela porta intitulando aquela como primeira e
última vez, sem direito a despedida. Os pensamentos atropelavam-se em minha
mente formando pilhas de coisas sem nexo.
E então novamente as lembranças me
agitaram os sentidos, havia urgência por prazer, e que se danasse todo o resto,
naquela mistura homogênea de luxúria e ódio eu resolvi já não pensar e me dei a
mim mesma em meio a imaginações e lembranças. Havia um gozo sem pudor, havia os
dentes na minha própria pele e acentuados arranhões na carne crua, me fiz
reflexo do descontrole. Descontei em mim a frustração da ausência e o sentido
inexistente nas linhas tortas do destino. Então me derramei sozinha, noite
adentro, naufraguei no meu mar de ilusões em preto e branco, suspendendo o peso
das mãos no limiar da dor. Solidão completa, prazer pela metade. O riso forçado
acompanhou o gozo insatisfeito; farsa que aumentou a sensação de solidão e
estupidez dando espaço pra sinceridade daqueles braços em volta dos joelhos e
das duas lágrimas sentidas.
- Você não é a mulher que pensa ser,
nem adianta tentar._disse a mim mesma em voz alta.
Levantei-me
da cama um tanto zonza, tropecei no tapete e bati com o joelho na mesinha de
cabeceira.
- Merda!
Fui
até a cozinha e abri a geladeira à procura de algo que pudesse beber, havia uma
garrafa de cidra esquecida do Natal passado, soltei um riso seco e sem graça.
Olhei o relógio já passava de uma da manhã e era a única bebida em casa, tirei
a rolha e bebi no gargalo, provavelmente tudo que eu teria era uma dor de
cabeça no dia seguinte e mais nada, se tivesse sorte talvez dormisse um pouco.