21 junho 2014

Capítulo 43



            Abri os olhos em meio à escuridão, por alguns segundos senti-me completamente deslocada sem saber onde estava e para que lado ficava a saída, após alguns segundos eu finalmente consegui me situar naquele quarto estranhamente familiar. Senti como se tudo estivesse em suspensão, pairando infinitamente no ar, como num sonho, os sons estavam distantes e abafados, sentei-me na cama e fiquei ali, parada no escuro enquanto meu mundo inteiro tentava encontrar um eixo para poder recomeçar a girar. Imóvel, com os olhos fixos na escuridão deixei que os sentimentos me invadissem, e fui embora na enxurrada que me arremessava para mais perto do que eu ainda não conseguia entender. Só conseguia pensar que depois de ter me perdido era preciso me encontrar, mas como?

            Vincent dormia tranquilamente ao meu lado, podia ouvir o som brando da sua respiração, sentir o calor do seu corpo e o seu cheiro almiscarado, único, delicioso. Aproximei meu rosto do dele, beijei sutilmente sua face e deixei que meus dedos afagassem de mansinho os seus cabelos e acompanhassem o contorno do seu corpo. Velei seu sono por alguns minutos e fiquei a imaginar como seria se eu pudesse ficar ali para sempre, as imagens que se formavam em minha mente eram agradáveis e calmas e foi então que algo em meio a toda a ilusão me despertou como uma pontada de dor aguda na boca do estomago, instantaneamente minhas mãos ficaram geladas e tal inquietação me fez querer sair dali correndo. Meu coração começou a bater forte, fora do ritmo e as tentativas de ficar calma só conseguiam me deixar ainda mais nervosa.

            Levantei, procurando não fazer barulho, tateando no escuro consegui encontrar minhas roupas, fui até a sala e comecei a me vestir, desengonçada. Senti-me vazia, olhei para todos os lados como se pudesse imaginar que parte do que eu perdera estava ali, escondido em meio a uma história que não me dizia respeito. Respirei fundo e tentei pensar no que havia acontecido há pouco, por um momento quis acreditar que tudo o que havia sentido há algumas horas era o bastante, que tê-lo somente por alguns instantes era suficiente, que somente o sexo importava, que dentro de mais algumas horas eu estaria voltando para minha vida, feliz e satisfeita com o que havia obtido, mas na real, o que eu havia obtido? Nada. “Péssima hora para começar a me sentir assim” pensei com raiva, eu não queria me sentir culpada por nada. O tempo todo eu havia dito que aceitaria as consequências, mas na verdade eu nunca havia sequer pensando no resultado das minhas escolhas e agora eu sentia um buraco enorme se instalar no meu peito e simplesmente não sabia o que fazer pra fazê-lo parar de doer.

            Acreditei demais em capacidades que eu tinha inventado pra mim, pensei que seria fácil, pensei que poderia simplesmente apertar um botão e colocar todos os meus sentimentos em off, mas não existe esse botão. Acreditei que tinha controle sobre o que eu sentia e sobre o que eu fazia, mas essa foi a minha maior ilusão. Me enganei até o limite, e naquele momento tudo que eu poderia fazer era pagar o preço por cada escolha e por cada mentira que eu contara a mim mesma.
           
            Senti-me emocionalmente exausta, daria tudo para voltar pra cama e simplesmente aproveitar cada segundo daquela noite ao lado dele, mas isso eu não consegui fazer. Fiquei sentada no sofá perdida nos meus pensamentos confusos, com um nó na garganta e um aperto no peito, tentando encontrar maneiras de continuar com o meu disfarce até que fosse seguro desabar.  Comecei então a prestar atenção à mobília, à desordem organizada dos objetos, quadros nas paredes, revistas, levantei-me e caminhei até a estante e deixei que meus dedos passeassem pela lombada dos livros. Vasculhei o rastro de lembranças de coisas que eu não havia vivido, eu realmente não poderia fazer parte daquele lugar. O tempo se encarregaria de apagar as minhas digitais. 

            Peguei um dos livros soltos e folheei, acabei derrubando algo sem querer, peguei no chão, era uma fotografia, meus olhos imediatamente prenderam-se àquela imagem estampada ali e senti o buraco em meu peito ficar ainda maior. Se até aquele momento havia algo em mim que continuava imerso, com àquela imagem não dava mais, eu simplesmente tinha que pisar de corpo em alma em terra firme. O que vi ali não era novidade, mas me bateu em cheio e com força. Não importa quanto tempo nós permaneçamos em sono profundo, mergulhados em pesadelos sombrios ou em sonhos deslumbrantes, mais cedo ou mais tarde a gente tem que acordar. Ali, encarando aquela fotografia, confrontando as imagens de horas atrás com o presente, eu entendi, havia chagado a minha hora de acordar. A realidade estava de braços abertos, esperando para me esmagar com seu peso insuportável. 



CONTINUA...


8 comentários:

  1. Muitas vezes ficamos vivendo de sonhos mesmo, mas em determinado momento , damos uma sacudida na mente por algum motivo, e percebemos que a realidade agora é outra, resta lembrar!!!!!
    bjus e adorei o texto!
    http://www.elianedelacerda.com
    seguindo vc!

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    1. É verdade, Elyane.

      Beijos e obrigada pela visita.

      ^^

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  2. Será a consciência ou medo do amanhã?

    Bjs

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    1. O que será, que será?? rsrs

      Beijos, Claudio.

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  3. Um capítulo bem diferente. Mas é o confronto natural que às vezes precisamos ter após certos momentos e escolhas. Uma relação assim tão abrupta sempre revolve os sentimentos. As emoções ficam balançadas. Tanta coisa entra em sintonia ao peito. Às vezes é medo. Ou não. Só a realidade por si só, já pesa. Vamos ver o que rola pra frente.
    Curioso.

    E como sempre, excelente escrita May.

    Beijão!

    :)

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    1. É verdade, Alexandre. As vezes fazemos escolhas, nos deixamos levar por impulsos e gritamos para nós e o mundo que não estamos nem ai e que assumimos os riscos, mas nem sempre somos capazes de perceber quais são, exatamente, os riscos aos quais nos submetemos, e é então que nos deparamos com algo que vai muito além das nossas forças e capacidade para resolver e compreender. Será que a Miriam vai saber lidar com o peso de suas próprias escolhas?

      Beijos, Alexandre.

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  4. As escolhas são nossas, e devemos aceitar as consequências muitas vezes desastrosas, mas afinal de contas, somos humanos, vamos errar e aprender não é verdade?
    Você escreve muito bem, adoro seu estilo meio existencial!
    show!
    bjus
    http://www.elianedelacerda.com

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    1. Tudo o que fazemos e tudo o que acontece tem sempre um propósito, não é verdade?
      É errando que se aprende, realmente.

      Muito obrigada, Elyane.

      Beijos, querida.

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Obrigada.